Repertório 451 MHz,

Metrópoles em disputa

A editora de ‘As Cidades e as Coisas’, Bianca Tavolari, e a arquiteta e escritora Joice Berth discutem as questões em jogo nos disputados espaços das cidades

23fev2024

Está no ar 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste 106º episódio, convidamos Bianca Tavolari, editora da seção “As Cidades e as Coisas” na Quatro Cinco Um, dedicada a livros sobre as cidades, para conversar com Joice Berth, arquiteta, escritora e pesquisadora na área de direito à cidade. “As Cidades e as Coisas” é também o tema da edição #78 da revista dos livros, já nas bancas, em que as duas, ao lado de vários autores, assinam textos sobre a história das metrópoles, a transformação de cidades e sobre casas, florestas e praias. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.

Conhecida dos nossos leitores, Bianca Tavolari é professora da Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Ela também foi a curadora da edição especial sobre cidades e celebra os quatro anos da seção.

Em 2023, Joice Berth lançou Se a cidade fosse nossa (Paz e Terra), livro que discute a cidade em relação ao machismo, questões de gênero e raça, e outras questões contemporâneas que afloram no ambiente urbano. Na edição de fevereiro da revista, ela escreveu sobre Retratos fantasmas, documentário mais recente do cineasta Kleber Mendonça Filho, em que a cidade do Recife assume o papel de protagonista. 


Capa do especial “As Cidades e as Coisas”, edição de fevereiro de 2024

Ao comentar sua curadoria da edição especial da Quatro Cinco Um, Tavolari conta que o convite para que Joice Berth escrevesse sobre o filme surgiu na última Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, quando participaram juntas em uma mesa na Casa da Música (e da Literatura), programação especial com curadoria da revista dos livros, realizada em parceria com a Casa da Cultura de Paraty durante o festival.

“Tentamos cobrir diferentes maneiras de olhar para a cidade, com campos disciplinares diferentes, com literatura, cinema, história, arquitetura e urbanismo, a partir de outros pontos de vista que tensionam a ideia do espaço urbano”, diz Tavolari.

Berth conta que decidiu escrever sobre o filme de Kleber Mendonça Filho pela forma como as metrópoles aparecem em sua obra. “Toda narrativa dele está intrínseca à cidade. Nos filmes dele, a cidade não fica só como pano de fundo, ela vai se entrelaçando nas histórias que conta”, diz a escritora. “Desde O som ao redor, Bacurau, Aquarius, ele vem sempre com a cidade costurando a narrativa. Com Retratos fantasmas, situa a cidade como protagonista do debate.”

São Paulo em disputa

Bianca Tavolari observa que a edição que trata de algumas metrópoles, ironicamente, não tem nenhum texto sobre São Paulo. “Claro, estamos com sede em São Paulo, tem muitas publicações sobre a cidade, então tem quase um viés de confirmação aí”, brinca. 

Segundo Tavolari, a cidade onde vive há mais de vinte anos tem um fator interessante para pesquisadores sobre cidades como ela — o de ser um território constantemente em disputa. 

“Não que outras cidades não tenham [essa característica], mas aqui essa disputa é muito forte. Tem organizações do mercado imobiliário, organizações por moradia, de moradores de rua… Essa é uma das características que me fazem admirar o que aconteceu em São Paulo.”


Se a cidade fosse nossa, de Joice Berth

Joice Berth comenta outras dimensões dessas disputas, presentes no seu Se a cidade fosse nossa, que tem como subtítulo “Racismos, falocentrismos e opressões nas cidades” e foi resenhado por Bianca Tavolari na revista dos livros.

“Eu penso que a cidade é um campo de disputa que passa pelos movimentos sociais que tomaram a dianteira do debate público, como o feminismo, o movimento negro, indígena”, afirma. “A questão das cidades, do território passa muito despercebida, e de um jeito negligenciado. Não adianta pensar o racismo e não entender que ele também passa pelo território. Eu como mulher negra não tenho a liberdade de transitar por todos os espaços.” 

Tavolari reforçou a importância de pensar o espaço urbano olhando para essas desigualdades. “O primeiro passo é reconhecer que o espaço é constituído por diferenças importantes que vão fazer com que a gente penalize algumas pessoas e não outras na dimensão do espaço urbano. Basta pensar — especialmente para São Paulo, mas isso é relevante para outras capitais brasileiras — que as principais pessoas que utilizam o transporte público são pessoas negras.”


A razão dos centavos, de Roberto Andrés

A pesquisadora lembrou que a questão do direito à gratuidade no transporte público, o passe livre, um dos temas que mobilizou os protestos de Junho de 2013 e que na época parecia uma ideia absurda, vem sendo implantada com sucesso por governantes de diferentes orientações políticas. Sobre o assunto, Tavolari recomendou o livro A razão dos centavos: crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013, do urbanista Roberto Andrés (Zahar, 2023).

Falocentrismo

As duas convidadas também discutiram sobre como questões de gênero, como o falocentrismo, não passam ao largo das discussões sobre a organização do espaço urbano. “A arquitetura falocêntrica é um caminho de entendimento de como o machismo também se cristaliza nos espaços das cidades”, diz Berth. 

Ambas as especialistas citam como referência sobre esse tema o livro Arquitetura, sexualidade e mídia, da historiadora da arquitetura Beatriz Colomina (Escola da Cidade/WMF Martins Fontes, 2023), também resenhado na edição #78, por Maíra Rosin e Leonardo Novo


Arquitetura, sexualidade e mídia, de Beatriz Colomina

“Esse livro é fundamental porque a construção, a arquitetura tem uma intenção, um projeto que vai além de uma camada superficial do que a gente entenderia como esteticamente agradável”, diz Tavolari. 

Mais na Quatro Cinco Um

A edição especial “As Cidades e as Coisas”, lançada em fevereiro de 2024, traz ainda uma série de resenhas, ensaios e entrevistas sob diferentes óticas da vida nas cidades. Além da resenha de Joice Berth sobre Retratos fantasmas, a curadora Bianca Tavolari entrevista Ben Wilson, autor de Metrópole, uma abrangente história das cidades.

O novo livro do escritor e líder indígena Ailton Krenak, Um rio um pássaro, é resenhado por Jefferson Barbosa; Montevidéu, do escritor espanhol Enrique Vila-Matas, é tema de resenha-conto por Gabriela Aguerre; e há ainda uma entrevista feita por Iara Biderman com o argentino Alan Pauls, autor de A vida descalço, sobre sua relação com as praias. 

Nesses quatro anos, a seção “As Cidades e As Coisas” já conta com quase cem textos, todos disponíveis no site da Quatro Cinco Um

O melhor da literatura LGBTQIA+

O episódio traz uma sugestão do escritor Fernando Scheller, autor do romance Gostaria que você estivesse aqui, publicado pela Harper Collins. Fernando indicou A história de Shuggie Bain, de Douglas Stuart, publicado pela editora Intrínseca em 2021, com tradução de Débora Landsberg. 

“O Douglas Stuart ganhou logo de cara, no seu primeiro livro, o Booker Prize de 2020 com essa saga familiar. O que mais me agrada na história é colocar o Shuggie Bain ainda menino e depois adolescente, um personagem LGBT, como o motor da narrativa. Gosto especialmente da relação do personagem com a mãe dele, uma espécie de Blanche Dubois do Tennessee Williams, que vive numa Irlanda de muitas dificuldades, pobreza e vício. É um livro que vale muito a pena ler”, diz o escritor.

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Coordenação Geral: Bia Guimarães e Paula Scarpin
Produção: Ashiley Calvo
Edição: Luiza Silvestrini
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: Pipoca Sound
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Bia Ribeiro
Para falar com a equipe: [email protected].br