Repertório 451 MHz,

O mundo visto do meu quarto

No podcast 451 MHz, o escritor J.P. Cuenca fala de seu novo livro e do cenário atual da literatura de viagem

08out2021

Está no ar o 50º episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. Neste episódio, Paulo Werneck, editor da Quatro Cinco Um, recebe o escritor J.P. Cuenca para uma conversa sobre seu novo livro, Qualquer lugar menos agora (Record), e sobre como o isolamento abriu novas possibilidades para a literatura de viagem.

O 451 MHz tem apoio dos Ouvintes Entusiastas. Seja um você também! O 451 MHz tem ainda apoio do banco digital brasileiro C6 Bank e do Grupo Editorial Record. O podcast Rádio Companhia, da Companhia das Letras, também apoia o 451 MHz.

Solidão cosmopolita

Filho de imigrante argentino, J.P.Cuenca conta um pouco sobre a constituição de seu olhar de estrangeiro permanente. Seja dentro do próprio país ou fora dele, a sensação de deslocamento, a solidão e a sensação de não-pertencimento são temas que movem suas crônicas.

O espírito flâneur do escritor aflorou com mais intensidade nos anos 2000, período de prosperidade no mercado literário brasileiro — havia diversos programas de incentivo à tradução de literatura brasileira — e momento em que sua obra ganhou notoriedade. Cuenca pôde viajar para diversos lugares levando uma espécie de vida nômade — sem moradia fixa, o cronista aderiu à ideia de ser um “cidadão do mundo”.

Acostumado com um estilo de vida agitado e estudando a possibilidade de se mudar para fora do país, J.P.Cuenca viu as viagens rotineiras se tornarem memórias com a chegada da pandemia e do consequente isolamento. Foi quando surgiu a ideia de escrever Qualquer lugar menos agora (Record). Para fazê-lo, o escritor se valeu de diversos recursos — como e-mails, cadernos, diários e rotas antigas do google maps — para rememorar histórias singulares que viveu ao longo de suas andanças.

Sua escrita, no entanto, não é um apanhado qualquer de textos turísticos, mas relatos de vivências intensas de um viajante sem destinação fixa. Ainda que as crônicas possuam o olhar do não-nativo, seu foco não são as paisagens de cartões postais “glamourosos”. Muito pelo contrário, Cuenca apresenta desde zonas de conflitos políticos aos botecos mais “pé-sujo” que encontrou pelo caminho. “Meu livro é uma grande selfie. Mas eu tento apontar essa câmera, onde eu tô explorando a subjetividade do meu ponto de vista sobre esses lugares, pra recantos menos explorados de cidades óbvias e para cidades não tão óbvias assim. Uma presença fantasmagórica, um bar de rodoviária, alguma coisa fora do circuito”, diz o autor.

A literatura, especialmente a de viagem, tem o poder de nos levar a lugares aos quais não podemos ir. Na pandemia, essas fugas do imaginário se tornaram quase uma condição de sobrevivência. O escape proposto pelo autor não é necessariamente geográfico, mas das condições sócio-históricas do Brasil atual. Cuenca reconhece o potencial brasileiro, porém lamenta as negligências do governo vigente.

Assédio jurídico

Conhecido por ser uma plataforma de textos breves e muitas vezes satíricos, o Twitter é também palco de inúmeras polêmicas — é só dar uma olhada nas contas de Donald Trump e dos membros da família Bolsonaro. J.P. Cuenca foi protagonista de uma delas ao parodiar em um tweet a célebre frase de Jean Meslier “O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre", fazendo as substituições que julga serem equivalentes para o Brasil atual: trocando rei por Bolsonaro e padres por pastores da Igreja Universal. A brincadeira teve como resultado a perseguição do escritor por fanáticos religiosos e bolsonaristas, além de 143 processos simultâneos.

Atualmente, o caso passa por um inquérito para investigar o orquestramento desses processos e, eventualmente, pode originar um projeto de lei que coíbe o assédio jurídico. Atualmente J.P. Cuenca estuda transformar em livro a repercussão e as interpretações duvidosas do episódio.

Em sua coluna na Quatro Cinco Um, o jornalista Paulo Roberto Pires repudiou os ataques sofridos pelo escritor e também à deplorável e distópica queima de livros de Paulo Coelho por bolsonaristas.

          

A morte de J.P. Cuenca

Cuenca é autor dos romances Corpo presente (Planeta, 2003), O dia Mastroianni (Agir, 2007), O único final feliz para uma história de amor é um acidente (Companhia das Letras, 2010) e Descobri que estava morto (Tusquets, 2016), eleito o melhor romance do ano pelo Prêmio Literário Biblioteca Nacional e finalista do Prêmio Jabuti. Em 2012, foi escolhido pela revista britânica Granta como um dos vinte melhores romancistas brasileiros com menos de quarenta anos.

Desde 2003, escreve crônicas semanais para os principais veículos do país — alguns reunidos na antologia A última madrugada (Leya, 2012) e, em 2016, transformou o livro Descobri que estava morto (Tusquets, 2015) em um filme que teve seu roteiro e sua direção e no qual também atuou (confira o trailer abaixo). 

Mais na Quatro Cinco Um

A versatilidade da escrita de João Paulo Cuenca pode ser observada também em seus diários de confinamento publicados na Quatro Cinco Um em três partes: o diário de São Paulo (ou Diário da Quarentena), nada é tão antigo quanto o passado recente e não temos crise, temos Cristo. A sua colaboração com a revista também rendeu um artigo bem-humorado sobre a pintura Narciso (1597-9), do pintor barroco Caravaggio.

A quarentena foi tema de diversos artigos na revista, como o de Hélio de Seixas Guimarães sobre o clássico Viagem ao redor do meu quarto, de Xavier de Maistre, escrito em 1794; e o de Aluízio Marino sobre como a utilização de mapas no combate à Covid-19 abre brechas para práticas de controle; além do ensaio do fotógrafo Victor Moriyama que retrata o cotidiano da cidade de São Paulo durante o isolamento ocasionado pelo coronavírus.

Cinquenta episódios

Em comemoração ao 50º episódio do 451 MHz, selecionamos alguns dos episódios mais memoráveis. No 21º, tivemos uma conversa importante sobre o pioneirismo antirracista de Luiz da Gama com o professor e jurista Silvio Almeida e a professora de literatura Ligia Fonseca Ferreira. No 28º episódio recebemos o biógrafo e editor-sênior da Quatro Cinco Um Humberto Werneck para falar sobre a poesia e a molecagem de Carlos Drummond de Andrade. No 39º episódio, chamamos a cartunista Laerte e a psicanalista Maria Rita Kehl para conversar sobre arte, carreira e a parceria que já rendeu dois livros infantis. Mais recentemente, o 44º episódio recebeu Ney Matogrosso, que falou sobre sua nova biografia e repassou fatos importantes de seus oitenta anos de vida e cinquenta de carreira. Foram cinquenta programas falando sobre grandes livros e grandes autores e, é claro, contando também com grandes entrevistados e grandes ouvintes.

Narradores do Brasil

Na coleção de episódios roteirizados Narradores do Brasil, o 451 MHz faz breves incursões no formato narrativo para explorar a vida e a obra de nossos grandes autores. Ouça agora mesmo os quatro primeiros episódios, sobre Rubem Fonseca, Lygia Fagundes TellesNelson Rodrigues e Paulo Freire. E, em breve, um novo episódio!

O melhor da literatura LGBTI+

No quadro, que tem apoio do C6 Bank, o cineasta Carlos Adriano recomenda o livro Um homem só (Companhia das Letras, 1964) do escritor inglês Christopher Isherwood. O livro que antecede a insurreição de Stonewall acompanha 24 horas da vida de um idoso homossexual chamado George, professor de literatura em crise após a morte de seu companheiro.

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck
Coordenação Geral: Paula Scarpin e Vitor Hugo Brandalise
Produção: Gabriela Varella
Edição: Claudia Holanda
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Juliana Jaeger
Gravado com apoio técnico da Confraria de Sons & Charutos (SP).
Para falar com a equipe: [email protected]