Fichamento,

Isabel Lucas

A escritora e jornalista portuguesa lança livro sobre a viagem que fez pelo Brasil tentando entender o país por meio de sua literatura

26jul2021

Em Viagem ao país do futuro (Cepe), a autora reúne ensaios-reportagem escritos durante um ano de andanças inspiradas em grandes escritores brasileiros e narra o seu reencontro com a própria lingua nativa.

Como foi planejado seu livro sobre o Brasil?
Eu escrevi um livro sobre os Estados Unidos, Viagem ao sonho americano, e me sugeriram fazer algo semelhante sobre o Brasil. Resisti, até um momento transformador: assim como eu estava em Nova York quando Trump se elegeu, estava em São Paulo quando Bolsonaro ganhou a eleição e vi uma euforia e uma mágoa violentas. Achei que nunca entenderia o Brasil. Veio o convite para escrever uma série de textos para o jornal Público, de Portugal, e para o jornal literário Pernambuco, que deram origem ao livro. Aceitei, apesar dos meus receios. Faço poucos planos, gosto da surpresa. Quando a etapa final do roteiro foi suspensa por causa da pandemia, entendi como um sinal. A última frase que escrevi está pendente, ainda tenho muitas questões. O Brasil me ensinou a fazer novas perguntas.

Que perguntas são essas?
A essencial é: “Será que é possível entender um país por meio de sua literatura?”. Sim, é possível; encontrei a resposta. Mas para a pergunta que me acompanhou sempre, “Que país é esse?”, continuo sem saber. Ainda há um país por descobrir; queria saber mais sobre essa multiplicidade de Brasis dentro do Brasil. Seria muita pretensão ter descoberto o que era o Brasil — nunca a tive. Mas foi fascinante o confronto com a diversidade da língua, algo para continuar a explorar.

Isso mudou o seu jeito de escrever?
Acho que sim. Na viagem, surgiram muitas palavras que nunca tinham me ocorrido em Portugal. Era como se eu tivesse me dado mais liberdade, com menos receio de inventar palavras. Eu não escrevia assim.

Ao longo da viagem, conheceu novos livros e autores?
Muitos, e é uma demonstração da minha ignorância da cultura brasileira. Há uma biblioteca de partida e uma de chegada. Saí com uma dúzia de livros que já tinha lido, uma escolha conservadora, e encontrei inúmeros que não conhecia. Muitos de autores que estão à margem — alguns vivem quase na rua. Eles me ajudaram a contar a história, a construir esse Brasil. As conversas com eles e outras pessoas deram forma final ao livro. Não havia uma organização prévia; eu só sabia que começaria com Os sertões, de Euclides da Cunha, e terminaria com Grande sertão, de Guimarães Rosa.

Qual foi o lugar mais difícil do roteiro?
Talvez Curitiba. Havia qualquer coisa de suspenso, não achava um norte, o escritor que eu queria também não se encontrava. Como vou encontrar o Dalton [Trevisan]? Sentia que pairava numa realidade paralela. Em um domingo, fazia um calor horrível, eu estava no Museu Niemeyer, à sombra, e pensei que aquela cidade parecia estar fora do Brasil e do mundo. Não é que foi mais difícil, só me senti meio perdida.

Como foi fazer o primeiro e o último capítulos?
Começar pelo sertão nordestino foi mais fácil em termos linguísticos. Ao chegar, senti uma estranha familiaridade, se calhar me julgava menos estrangeira. Há um vocabulário que conheço, de meus avós, palavras que já não se usam nas grandes cidades e encontrei lá. Mais do que a língua, é como um modo de estar, de olhar. A viagem do último capítulo, ao sertão de Minas, tinha sido a mais planejada, mas não aconteceu. Foi meio trágico. Eu pensava: “Como vou escrever sobre Guimarães Rosa? Não é possível”. Parecia ultrajante. Então inventei um território com aquela língua, usei gravações que tinha, memórias. Senti estar inteira ali. Quando invoco a memória, é uma invenção que tenta ser fiel. É dos diabos.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)