Educação, Infantojuvenil,

A escola de Malala

Objeto mágico leva crianças para conhecer a história da ativista paquistanesa

29out2018 | Edição #16 out.2018

“Você acredita em mágica?” Malala Yousafzai não escreveu um conto de fadas, ainda que sua história pessoal seja digna de um. A pergunta vem na primeira página de seu livro infantil ilustrado, uma autobiografia sobre como se transformou numa ativista de renome internacional.

Um lápis mágico, algo que ela sempre quis ter quando criança, é a forma que encontrou para quebrar o gelo com os pequenos e falar sobre um assunto que dificilmente os colocará para dormir: como milhares de crianças mundo afora vivem na pobreza e sem acesso a escolas. “Eu sabia que, se eu tivesse um lápis mágico, poderia desenhar um mundo melhor e mais pacífico”, ela escreve.

Malala é a garota paquistanesa de véu colorido que virou uma espécie de Frida Kahlo mirim. Seu rosto rechonchudo estampa camisetas e mochilas, enquanto seu trabalho inspira poemas, músicas e filmes. É um personagem fácil para os pais que querem dar aos filhos exemplos de crianças reais fora de série.

Ela é a personalidade mais jovem a receber um Nobel da Paz, aos dezessete anos, em 2014. Foi reconhecida por seu trabalho em defesa do direito de meninas de todo o mundo à educação. Sua organização Malala Fund, criada em 2013, está presente em seis países, incluindo o Brasil, onde 1,5 milhão de garotas não conseguem frequentar a escola. 

Seu ativismo, no entanto, começou muito antes, nos cafundós do Paquistão. E lhe valeu uma bala na cabeça. 

Página preta

Quando tinha onze anos, fez um blog para a BBC local sobre sua vida durante a ocupação do Taliban, sob pseudônimo. Os fundamentalistas proibiam meninas de estudar e, com o tempo, Malala passou a falar abertamente sobre a situação — em parte instigada pelo pai, ele mesmo professor. 

Aos catorze, quando voltava para casa num ônibus escolar, membros do Taliban pararam o veículo, entraram, perguntaram por Malala e atiraram. Uma das balas atravessou sua cabeça. Contra todas as expectativas ela se recuperou. Hoje, aos 21 anos, estuda filosofia, política e economia numa universidade na cidade inglesa de Oxford.

A selvageria fica bem longe de Malala e seu lápis mágico. As ilustrações são de Kerascoët, nome artístico do casal francês Marie Pommepuy e Sébastien Cosset. A dupla traz delicadeza mesmo quando o assunto são crianças trabalhando no lixão.

O lápis some lá pela metade do livro, e Malala se debruça seriamente nos estudos. Quando “homens poderosos e perigosos” proíbem as meninas do vale em que vive de irem à escola, ela se questiona: “Alguém precisava falar. Por que não eu?”, escreve.

O atentado é simbolizado por uma página preta. Os tais homens perigosos tentam “silenciar” Malala. Uma garotinha aparece de costas na janela de um quarto de hospital, e uma multidão lá fora grita seu nome em solidariedade. “Finalmente encontrei a magia que estava procurando: nas minhas palavras e no meu trabalho.” 

Cerca de 400 escolas foram destruídas quando o Taliban tomou o vale de Swat, onde Malala morava

De acordo com relatórios publicados em 2010 por agências da Organização das Nações Unidas, cerca de 400 escolas foram destruídas quando o Taliban tomou o vale de Swat, onde Malala morava. Ela só conseguiu visitar sua casa em 2018. Outros dois milhões de moradores também deixaram a região. 

Desde o atentado, Malala é onipresente no noticiário global. A jovem se encontrou com a família Obama na Casa Branca, com a rainha Elizabeth e até ganhou um retrato fotográfico exposto na National Portrait Gallery de Londres. Madonna também lhe dedicou uma canção durante um show, enquanto Angelina Jolie escreveu um ensaio em sua homenagem quando a criação do Malala Fund foi anunciada.

Com seu livro infantil, Malala leva o leitor a uma viagem certamente exótica. Há os arabescos e prédios de arquitetura oriental, mulheres e crianças de véus e homens de turbante armados. A mensagem sobre direitos humanos é também espinhosa, mas a mensageira é cuidadosa, graciosa. Ao final, quem sabe, sua história sirva de trampolim para ativistas mirins.  

Quem escreveu esse texto

Fernanda Ezabella

É jornalista.

Matéria publicada na edição impressa #16 out.2018 em outubro de 2018.