Economia,

Instituições não se exportam

Ganhador do Nobel que deu respaldo a políticas de Reagan cria teoria engenhosa sobre desenvolvimento, mas negligencia seus aspectos culturais

15nov2018 | Edição #9 mar.2018

Este livro, publicado em 1990 nos Estados Unidos, foi uma tentativa de integrar as instituições à teoria econômica neoclássica e à ortodoxia liberal. A teoria econômica dominante é um sofisticado modelo abstrato de um sistema econômico que existe no vazio; é constituída por três modelos matemáticos (o modelo do equilíbrio geral, o modelo de crescimento de Solow e o modelo macroeconômico das expectativas racionais) com pouca aderência à realidade ou à história. 

De repente, com seu livro, Douglass North, historiador econômico originário do marxismo, mas convertido ao liberalismo neoclássico, adicionou com competência e boa retórica as instituições a esse modelo abstrato, o que lhe valeu uma recepção calorosa por parte de seus colegas e o Prêmio Nobel de Economia.

Talvez a contribuição mais importante do livro esteja em sua primeira frase, na qual o autor define instituições como “as regras do jogo”, ou seja, como as normas legais, morais e rotineiras — formais ou informais — que orientam o comportamento humano  e garantem a coordenação dos sistemas sociais. Definidas nesses termos, não há nada mais antigo, conhecido e importante do que as instituições.

Agora, oferecia-se aos economistas liberal-ortodoxos, dominantes desde 1980, uma perspectiva histórica sem a qual é impossível explicar o desenvolvimento. Uma perspectiva histórica que nascera com a teoria econômica — com a teoria mercantilista, com a economia política de Adam Smith e Marx, com a teoria institucionalista histórica, primeiro alemã, de Max Weber, e depois americana, de Veblen, com a teoria macroeconômica de Keynes, e a teoria do desenvolvimento econômico de Arthur Lewis e Raúl Prebisch —, mas que o mainstream neoclássico abandonara um século antes, nos anos 1890. 

Como explicar a recepção positiva da teoria econômica neoclássica à contribuição de North? Uma primeira explicação é ser o caráter histórico da contribuição de North apenas aparente. Na verdade, ele continua a pensar de maneira essencialmente a-histórica, na medida em que não generaliza a partir de regularidades e tendências que observa na história, mas através de conceitos neoclássicos, como os custos de transação, a path dependency e o conceito de agência. 

Segundo, além de definir as instituições como as regras do jogo, North as define como “restrições que os seres humanos impõem a si mesmos”. Com isso, pretende ver as instituições como resultado de escolhas racionais realizadas por indivíduos. Assim, de novo, sua teoria deixa de ser histórica para se tornar hipotético-dedutiva como é a teoria econômica neoclássica.

Terceiro, ao tornar central a teoria dos custos de transação, ele segue Ronald Coase e transforma as organizações em artefatos criados pelo homem para evitar os custos envolvidos nas trocas comerciais. As empresas e outros tipos de organização existem não como resultado de uma construção histórica, mas porque elas podem ser deduzidas a partir do comportamento racional dos agentes econômicos visando reduzir os custos de transação. 

Uma teoria a-histórica

Em outras palavras, no princípio era o mercado… no princípio, os homens faziam trocas sem a intermediação de sociedades, mas descobriram que economizariam custos de transação unindo-se em organizações. Portanto, uma teoria hipotético-dedutiva da sociedade que nada tem a ver com a história; é puramente neoclássica. Logo, North defende o papel das instituições no desenvolvimento econômico, mas suas instituições não são históricas, não são o resultado do caráter intrinsecamente social dos homens e mulheres e de suas lutas pelo poder e pela apropriação do excedente econômico. Ao invés disso, são meros artefatos racionais.

North adota uma perspectiva evolucionista, mas para ele a diferença entre o evolucionismo de Darwin e o seu, neo-institucionalista, está no fato de que as instituições são resultado de vontade humana. Sem dúvida, as instituições são construções humanas. Mas, para North, essa vontade é uma deliberação consciente, o que significa que as instituições são exógenas ao processo histórico, logo podem ser reformadas com relativa facilidade. Em vez de serem o resultado dialético das relações entre a estrutura econômica e a cultura social, são ou podem ser instituições racionais ou modernas, que estimulem o trabalho e o investimento produtivo, bastando para isso que haja vontade. 

Promover desenvolvimento econômico não é aprovar reformas que interessam a uma minoria financeirorentista neoliberal

O objetivo de North é explicar o desenvolvimento econômico, e a explicação à qual ele chega é liberal e linear. Desenvolvem-se as economias que adotam instituições que estimulam o trabalho produtivo ao garantir a propriedade e os contratos. A Inglaterra se desenvolveu porque adotou um sistema político descentralizado que garantia a propriedade e os contratos, que garantia, portanto, o bom funcionamento do mercado. Já a Espanha e a América Latina ficaram para trás porque o regime foi mantido centralizado e incapaz de incentivar os empresários a investir.

Mas por que foi a Inglaterra o país a se modernizar primeiro? Não foi porque adotou instituições modernas ou capitalistas. Foi também por isso, mas através de um complexo processo histórico. Adotou-as porque a burguesia que surgiu no século 13, nas cidades-Estado do Norte da atual Itália, estava voltada para o lucro e a expansão econômica, em vez de estar voltada para a honra e a conquista militar. Porque os grandes comerciantes se associaram a monarcas absolutos para ampliar as fronteiras e criar o mercado interno necessário para a industrialização. Porque assim aconteceu em cada país, a começar pela Inglaterra, a revolução industrial e capitalista. Porque a economia que emerge da revolução capitalista é uma economia de mercado, que só pode funcionar se forem garantidos os direitos civis, especificamente a propriedade e os contratos. Sim, por tudo isso, e não porque os ingleses acharam melhor garantir a propriedade e os contratos.

Por que, repito a questão, o livro foi tão bem recebido pelo liberalismo dominante? Já vimos que o novo institucionalismo é tão a-histórico como é a teoria econômica neoclássica. Adicionalmente, porque serviu de justificativa teórica para o projeto dos Estados Unidos e da ortodoxia neoliberal de, a partir de 1980, impor aos países em desenvolvimento as reformas institucionais liberais. Em 1985, através do Plano Baker, o Banco Mundial foi encarregado formalmente pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pelo secretário do Tesouro, James Baker, de promover essas reformas. O livro de Douglass North legitimou essa política imperial.

Como era de esperar, a política fracassou, porque não se exportam instituições como se exportam mercadorias. Em cada sociedade existe uma instância econômica, uma institucional e uma cultural, e as três instâncias mudam endógena e dialeticamente. Desenvolvimento não se resume à mudança de instituições, é mudança estrutural, de toda a sociedade. 

Promover o desenvolvimento econômico não é aprovar reformas que interessam a uma minoria financeiro-rentista neoliberal, e sim reconhecer que o capitalismo não é uma competição apenas entre empresas, mas também entre nações, e adotar um projeto nacional de desenvolvimento no qual as duas grandes instituições das sociedades modernas — o Estado e o mercado — se apoiem mutuamente ao invés de serem colocadas em conflito; é contar com um governo capaz de agir estrategicamente para enfrentar essa competição.

Em um livro posterior, Understanding the Process of Economic Change (2005), North procurou amenizar esse caráter essencialmente a-histórico de sua teoria. Acentuou o caráter gradual e difícil da mudança institucional. Mas, afinal, sua obra é antes uma legitimação do neoliberalismo do que uma forma nova e estimulante de compreender o desenvolvimento econômico.

Quem escreveu esse texto

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Professor emérito da FGV, foi ministro da Fazenda em 1987 e escreveu Macroeconomia desenvolvimentista (Elsevier).

Matéria publicada na edição impressa #9 mar.2018 em junho de 2018.