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Editora portuguesa doa à Quatro Cinco Um a Tinta-da-China Brasil, selo de literatura e não ficção fundado no Rio de Janeiro em 2013

20jan2022 | Edição #54

A Associação Quatro Cinco Um, que publica a revista Quatro Cinco Um, assumiu em janeiro o controle da editora de livros Tinta-da-China Brasil, selo fundado no Rio de Janeiro em 2013 por Bárbara Bulhosa, criadora da matriz em Portugal, uma das mais inventivas e importantes do país.

Depois de atravessar anos de pandemia e de crise no mercado editorial brasileiro, Bulhosa decidiu concentrar suas atividades em Portugal. Em vez de encerrar a empresa, cancelar os contratos e mandar destruir os livros já impressos, Bulhosa e seus sócios no Brasil optaram por transferir de forma não onerosa a propriedade para a Associação Quatro Cinco Um, que vai reativar a editora fazendo reimpressões, lançamentos e as vendas dos livros já produzidos.

“É com enorme alegria e expectativa que vejo o futuro da Tinta-da-China Brasil”, disse Bárbara. “Não conheço melhor pessoa do que o Paulo Werneck para dar continuidade a este projecto tão suado e acarinhado por todos os que nele trabalharam. A criatividade e qualidade da revista Quatro Cinco Um são garantia sólida, um veículo através do qual Paulo Werneck e a sua equipa têm demonstrado um enorme rigor e empenho. Aos autores e parceiros que confiaram e arriscaram conosco, um imenso obrigado, com a convicção de que serão muito bem tratados e de que melhores tempos se aproximam.”

A Tinta-da-China Brasil passa a ser o selo editorial da Quatro Cinco Um, a exemplo de outras editoras de livros ligadas a revistas de crítica, como a New York Review of Books e o Suplemento Pernambuco, que tem um selo pela editora estatal Cepe. A editora deixa de existir em modelo empresarial e passa para o modelo sem fins lucrativos que viabiliza a publicação da revista até hoje.

“Nossa preocupação maior é honrar o trabalho de Bárbara, que investiu muitos recursos no projeto, não só financeiros, mas afetivos, emocionais”, diz Paulo Werneck, diretor presidente da Quatro Cinco Um. “Por isso, a editora se tornou o que é em Portugal, a mais bonita do mundo, relevante, impecável, necessária, leve.” 
 

            

[Capas de livros publicados pela Tinta-da-China Brasil    Design Vera Tavares]

Werneck afirma que a editora é exemplar em termos de independência, cuidado editorial e gestão responsável. Segundo ele, “ter um selo editorial na Quatro Cinco Um sempre foi um objetivo de médio prazo, mas que se precipitou de forma extraordinária por meio do gesto de enorme generosidade de Bárbara Bulhosa — generosidade com a Quatro Cinco Um, com os leitores e com os autores da editora. Isso mostra como os projetos culturais no Brasil não precisam ser sempre interrompidos, há formas de dar continuidade a eles”.

Reativação

Segundo Werneck, o objetivo inicial é reativar os títulos esgotados, recolocar os livros em circulação e preparar reimpressões. A editora ajudará a diversificar as fontes de receita da Associação para financiar suas atividades: difundir a cultura do livro, a língua portuguesa, a literatura e as ciências na sociedade brasileira. “Publicar esses autores, de Fernando Pessoa a Ricardo Araujo Pereira, nos ajuda a cumprir nossos objetivos sociais e culturais”, afirma Werneck.

A Tinta-da-China Brasil lançou até agora 47 títulos, com forte atuação na renovação da bibliografia luso-brasileira. O primeiro foi Se não entenderes eu conto de novo, pá, de Ricardo Araújo Pereira, em 2012, e o último, Alguns humanos, de Gustavo Pacheco, em 2020. A editora publicou belas edições de capa dura de portugueses clássicos — Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço, Herberto Helder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Mário de Sá- -Carneiro e uma coleção de obras de Fernando Pessoa, sob organização de Jerónimo Pizarro. Alguns dos escritores contemporâneos mais influentes no debate cultural em Portugal também publicaram livros pela Tinta-da-China Brasil: Pedro Mexia, Alexandra Lucas Coelho, Dulce Maria Cardoso, Valério Romão e Rui Tavares. A Tinta-da-China é a titular da revista literária britânica Granta em língua portuguesa, publicada em simultâneo em Portugal e no Brasil tendo o carioca Gustavo Pacheco e o lisboeta Pedro Mexia como diretores. Pacheco ganhou o prêmio da Biblioteca Nacional por Alguns humanos.

Uma campanha entre os leitores vai alavancar recursos para financiar a retomada da editora

Werneck afirma que as atividades já estão sendo retomadas. A venda dos exemplares em estoque e uma campanha entre os assinantes da revista e leitores em geral vai alavancar os recursos para financiar as reimpressões, cujas vendas pouco a pouco deverão financiar novos projetos. As primeiras doações já estão sendo recebidas pela chave Pix [email protected] ou por transferência bancária.

Uma parceria entre as casas portuguesa e brasileira permitirá à Tinta-da-China Brasil manter o perfil gráfico e editorial, podendo trazer para o Brasil alguns dos projetos desenvolvidos em Portugal, como a coleção de clássicos do humor coordenada por Araújo Pereira e a coleção de livros de viagem, publicada sob os cuidados de Carlos Vaz Marques. História e jornalismo são outras duas fortes linhas editoriais que devem permanecer e se desenvolver no selo brasileiro.

Tanto a Tinta-da-china como a Quatro Cinco Um fazem parte de uma nova cena editorial luso-brasileira que vem se constituindo desde o início do século. A editora foi fundada em Lisboa em 2005 por Bárbara Bulhosa, livreira com formação em história, e Inês Hugon, que após deixar a sociedade permaneceu atuando na editora com a coordenação do prelo. Sem investimentos vultosos nem ligação com conglomerados editoriais, firmou-se como uma casa de excelência no catálogo, no trabalho de texto e no design — quase todas as capas são da mesma artista, a designer Vera Tavares, que continuará a colaborar com a editora brasileira.

Com mais de seiscentos títulos lançados até agora, a Tinta-da-china é a principal editora independente em Portugal. A criação da irmã caçula coincidiu com a publicação de diversos autores brasileiros, como Nelson Rodrigues, Tati Bernardi, Antonio Prata, Francisco Bosco, Paulo Scott, Ruy Castro, Tatiana Salem Levy, Eucanaã Ferraz, Giovana Madalosso e outros, numa das mais importantes iniciativas recentes de trânsito literário entre Brasil e Portugal.

Matéria publicada na edição impressa #54 em outubro de 2021.