Fichamento, Flip,

Carol Bensimon

Animais empalhados nos Estados Unidos e um crime real no Brasil inspiram romance com clima de ‘road movie’ da escritora gaúcha

25out2022

Em Diorama (Companhia das Letras), de Carol Bensimon, uma taxidermista reconstitui o assassinato de um deputado homossexual nos anos 80. 

Como foi dissecar e reconstruir um crime? 
Demorou bastante. No começo, eu não sabia se conseguiria juntar o crime, baseado numa história real, à questão da taxidermia. Então fui pesquisar o caso Daudt [José Antônio Daudt, deputado e jornalista gaúcho assassinado em 1988] e, ao mesmo tempo, estudar taxidermia, como chegamos a esse desejo de empalhar animais. Toca em várias obsessões minhas.

Organizar, catalogar, ver as entranhas são algumas de suas obsessões?
Sim. Acho que tem um pouco da Cecília, a narradora, em mim. Mas isso também é, em certo sentido, uma metáfora do próprio processo de criação literária. Matar para reconstruir. Ficou um pouco psicanalítico isso… 

Como se interessou pelo crime contado no livro?
Eu tinha seis anos quando aconteceu, mas ouvia muita fofoca da elite porto-alegrense que frequentava a videolocadora da minha família. É algo que nunca ficou resolvido e toca em temas que me interessam muito. 

Que questões quis trazer para o livro?
A questão da homossexualidade, o que era ser gay nos anos 80. Também me interessava o fato de o Daudt ter proposto a lei proibindo os aerossóis com CFC, para preservar a camada de ozônio. E também, sendo bem sincera, partiu da observação da família do Bolsonaro. Os filhos dele parecem cópias do pai e tem aquela filha que a gente não sabe muito bem o que virá a ser — será que ela tem como escapar dessa família? No livro, a família da Cecília é um pouco o retrato dessa família conservadora hipócrita brasileira. Eu me impressionei ao perceber como falar dos anos 80 é tão atual.

Qual é a sua relação com a questão ambiental?
Agora que vivo em uma área rural da Califórnia minha relação com a natureza mudou completamente. Vim para escrever meu livro anterior e me apaixonei pelo lugar. Brinco que vim morar dentro do meu livro. É meio mágico: estou no meio da floresta, eu e minha namorada acampamos, fazemos todo tipo de viagem na natureza. Em uma cidade grande, talvez eu não tivesse ideia do que está acontecendo com o planeta. 
 
Diorama tem muitas pessoas em trânsito, em fuga. Em alguns momentos, lembra um road movie.
Entre meus temas recorrentes, talvez o principal seja a questão dos deslocamentos. Meus três últimos romances começam com uma cena dentro do carro. E eu me criei assistindo road movies, sou meio fascinada por essa coisa do Oeste norte-americano. 

Voltando ao crime: no livro, até onde vai o caso real e onde começa a ficção? 
Quase todos os fatos brutos são reais. O Monza visto em frente à casa do Daudt quando ele foi assassinado a tiros, a disputa entre os delegados, a suspeita de uma intervenção do governador. O desfecho é ficção, foi baseado em boatos. A homossexualidade da vítima veio à tona com o inquérito e parece que isso levou a um grande acordo com a sociedade gaúcha para jogar a história para baixo do tapete. Não interessava mais punir aquele crime — que nunca foi resolvido. 

Mas a vítima não é exatamente um herói, é alguém que ameaça os outros com armas, por exemplo.
Sabe-se que o Daudt era supercombativo, batia na mesa, andava armado. Ele é vítima, de certa forma morreu por ser gay, mas também tem suas contradições. É atravessado por esse machismo à gaúcha, pelo fascínio por armas de fogo. Isso, mesmo sem querer, acaba também falando muito sobre o Brasil de hoje…

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)