Literatura infantojuvenil,

Sabença encantada

Erêmi é como a Umbanda: um canto encantado de respeito, alegria e liberdade

01out2020 | Edição #38 out.2020

Erêmi – o guia da Umbanda para crianças de axé (ou de outra fé) já começa acertando na feliz escolha do título ao evocar a espiritualidade infantil dos erês e anunciar uma grande qualidade da obra: o livro é acessível a todas as crianças, criadas em qualquer crença ou mesmo sem referências religiosas. A opção foi a de apresentar ludicamente a umbanda a partir de suas doze falanges espirituais mais conhecidas. Caboclos, pretos velhos, marinheiros, baianos, ciganos, exus, pombagiras etc. são retratados em linguagem acessível, despida de preconceitos, abrindo caminho para que as crianças conheçam os guias espirituais de forma leve e atraente. A autora não descamba para o proselitismo religioso, mas investe naquilo que a umbanda tem de mais bonito: a fascinante pluralidade do culto.

Logo no início do livro, a umbanda é apresentada como uma religião anunciada em 1908 por Zélio Fernandino de Moraes, que em um centro espírita em São Gonçalo, Rio de Janeiro, recebeu o espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas e declarou que no novo culto os espíritos de caboclos e pretos velhos, que não eram aceitos nos centros kardecistas mais tradicionais, viriam para trabalhar e fazer a caridade. Há quem relativize o mito fundador e busque entender a formação do culto como um processo de síntese do pensamento religioso brasileiro, que tem raízes nos calundus coloniais dos bacongos, no cristianismo popular, nas pajelanças dos povos originários, no culto aos orixás iorubás, no kardecismo francês e em outras influências menos evidentes, como a da mística mourisca e cigana.  

Os textos e ilustrações de Erêmi cumprem um papel fundamental nos dias turbulentos em que estamos mergulhados: apresenta a beleza de uma sabença encantada brasileira e lança um brado contra o racismo religioso, a intolerância e o obscurantismo de certas designações pentecostais propagadoras do ódio e inimigas da pluralidade. Faz tudo isso com a leveza dos erês brincando nas festas de Cosme e Damião nos terreiros suburbanos. Erêmi, o livro, é como a Umbanda: um canto encantado de respeito, alegria e liberdade.

Quem escreveu esse texto

Luiz Antonio Simas

Historiador, escreveu Almanaque brasilidades (Bazar do Tempo).
 

Matéria publicada na edição impressa #38 out.2020 em setembro de 2020.