Humor,

Estão rindo do quê?

O humor é tratado por Ricardo Araújo Pereira como uma forma específica de pensar a realidade

07nov2018

Nenhum comediante brasileiro tem, entre nós, a relevância que Ricardo Araújo Pereira conquistou em Portugal. Fundador do programa televisivo Gato Fedorento (sobrinho-neto do Monty Python, primo mais velho do Porta dos Fundos), escritor, ator, comentarista político, cronista esportivo, cronista, editor, apresentador de rádio e tv, o humorista é uma voz relevante em todos os ramos nos quais atua.

Como se fosse, ao mesmo tempo, Luis Fernando Verissimo, Juca Kfouri, Elio Gaspari, Chico Anysio e Pedro Cardoso. (Talvez devesse incluir Cauã Reymond, pois, coisa rara no mundo dos comediantes, RAP é galã, mas esse não é comentário que se faça numa revista literária.)

Uma vez que não se propõe a ensinar a escrever, o livro é menos um manual, como sugere o subtítulo, do que um compêndio e uma meditação sobre o riso. De Abraão a Jerry Seinfeld, de Platão a Portlândia, de Chesterton a Tarantino, do Hades grego à HBO, RAP peneira a cultura para tentar entender do que é que esses pobres bípedes, únicos animais que sabem que vão morrer, estão rindo tanto.

O livro já valeria a pena só pelos exemplos compilados. “Tudo tem graça, desde que aconteça a outra pessoa”, Will Rogers. “Tragédia é eu partir a unha; comédia é tu caíres no buraco do esgoto e morreres”, Mel Brooks. Anotação no diário de Kafka, 2 de agosto de 1914: “A Alemanha declarou guerra à Rússia. À tarde, natação”. Epitáfio do poeta inglês John Gay: “A vida é um chiste; e tudo o revela com clareza,/ Pensei assim em tempos; mas agora tenho a certeza”. 

O autor, porém, entende do ofício como poucos e, para além das citações, entrega um originalíssimo ensaio sobre a comédia, levando o humor a sério — mas a seriedade, felizmente, não.

RAP participou da Flip em 2016. Gregorio Duvivier perguntou por que tinha enveredado para o humor. Ricardo, sério, respondeu que muito cedo soube que não era o filho preferido de seus pais. “Essas coisas acontecem”. E, após uma pausa que era só melancolia, arrematou: “A questão é que sou filho único”. A plateia veio abaixo, num gozo súbito por descobrir-se com as unhas intactas, enquanto o outro sumia bueiro adentro.

Quem escreveu esse texto

Antonio Prata

Escritor e roteirista, é autor de Trinta e poucos (Companhia das Letras) e Jacaré, não! (Ubu).