Divulgação Científica,

Aquilo de que o mundo é feito

Livro modesto mas surpreendente ajuda a entender a química e seu papel na nossa vida

01maio2019

Diz-se da química que ela é a “ciência central” entre as ciências naturais — o ramo do conhecimento que serve de ponte entre os aspectos mais rarefeitos e contraintuitivos da matemática e da física e o mundo mais familiar e pé no chão da biologia. Essa suposta centralidade, entretanto, não costuma ser suficiente para fazê-la cair nas graças do público leigo. 

Como não há livros ou programas de TV que tenham feito pela química o que Cosmos fez pela astronomia ou O gene egoísta realizou em favor da teoria da evolução, 50 ideias de química que você precisa conhecer, de Hayley Birch (parte de uma série inglesa que inclui volumes sobre física quântica, matemática e filosofia, entre outros), talvez seja um bom começo.

Esse livrinho despretensioso consegue explicar cinquenta conceitos diferentes em pouco mais de duzentas páginas, e um motivo óbvio por trás do êxito é a simples intimidade da autora com o tema, uma vez que Birch já escreveu mais de uma centena de artigos para a revista Chemistry World, editada pela Real Sociedade de Química do Reino Unido. Birch parece ter tido tempo para lapidar o diamante bruto do conhecimento, a julgar pelas conexões que consegue traçar entre o mundo regido pela tabela periódica dos elementos e o nosso cotidiano.

A autora tem de se virar dentro de uma estrutura “quadrada”: cada uma das tais ideias equivale a um verbete de quatro páginas, invariavelmente seguido de um subtítulo provocativo. Aspectos complementares de cada conceito são enfrentados por meio de quadros e pequenos infográficos, e os verbetes terminam com frases curtas sob o título “A ideia condensada”. (No caso do verbete 11, “Ácidos”, a frase-chave é “Liberando hidrogênio”, já que esse tipo de molécula se caracteriza pela liberação de átomos de hidrogênio numa forma em que lhes faltam elétrons.)

De degrau em degrau

Pode parecer chato e repetitivo, mas dois fatores ajudam a quebrar a monotonia e permitem que o livro se assemelhe um pouco a uma narrativa conforme avançamos. Um deles é o planejamento cuidadoso para criar uma escada para o leitor que não está familiarizado com o assunto. Os primeiros verbetes começam com aquilo que deveríamos ter aprendido na escola — o que são átomos, elementos químicos, isótopos (as variantes de cada elemento químico, como o deutério, versão mais “pesadona” do hidrogênio), compostos etc. São os degraus conceituais para explorar territórios mais complexos.

A segunda grande virtude, à qual já aludi, é a capacidade de mostrar como os tentáculos da química se espalham por outras áreas do conhecimento, bem como pela vida comum.De fato, os processos químicos transformaram de tal modo o nosso mundo que é fácil esquecer que ele não foi sempre dessa maneira.

Outra realidade

Se um sujeito de, digamos, duzentos anos atrás fosse magicamente transportado para 2019, a existência da internet não seria seu único motivo de espanto. A própria constituição material do dia a dia — o que as pessoas usam para se vestir, comer ou dormir — foi alterada até se tornar irreconhecível. Em larga medida, isso se deve aos avanços da química. Contemporâneos de d. Pedro 1o não fariam a menor ideia do que são a gasolina (verbete 39), os plásticos (verbete 40) ou os fertilizantes artificiais (verbete 17), para ficar apenas nos exemplos mais banais. (Nem é preciso dizer que essas maravilhas modernas nos trouxeram tanto problemas quanto soluções.)

Também não é possível minimizar as contribuições da bioquímica para a redefinição do que significa estar vivo. Os filósofos do século 19 ainda podiam falar de coisas como “élan vital” impunemente, mas o fato é que já sabemos faz tempo que os processos biológicos nascem de bases químicas: rearranjos moleculares complexos que usam aqueles mesmos átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e fósforo do mundo dito inorgânico para compor os seres vivos. Isso explica por que o livro inclui entradas como “Biologia sintética” — os projetos de construir células com propriedades sob medida em laboratório, os quais andam cada vez mais avançados — e “Fotossíntese”.

Mencionei a tabela periódica alguns parágrafos atrás e, com efeito, ela é um dos poucos aspectos decepcionantes do livro. É claro que suas indefectíveis colunas, com as abreviações dos nomes dos elementos químicos em latim e o número atômico (ou seja, o número das partículas chamadas prótons no núcleo de cada tipo de átomo), estão presentes, dispostas em página dupla.

Faz falta, no entanto, uma explicação mais detalhada das regularidades de características presentes em cada “família” de átomos e dos padrões que perpassam as colunas aparentemente aleatórias (aquelas que costumam ser objeto de conhecidos esforços mnemônicos por parte de pré-vestibulandos em apuros). Tais conceitos são abordados de passagem no verbete “Elementos”, é verdade, mas estamos falando de algo muito importante que merecia uma entrada só sua. A lacuna, porém, não afeta o conjunto harmonioso e divertido do livro.

Este texto foi realizado com o apoio do Instituto Serrapilheira

Quem escreveu esse texto

Reinaldo José Lopes

Repórter da Folha de S.Paulo, é autor de Darwin sem frescura (Harper Collins BR).