Vinte Mil Léguas,

Os marcianos saíram do cilindro, pt. II

Darwin demorou muito para revelar ao mundo as suas ideias sobre a transformação das espécies, porque sabia que o que propunha era transgressor e revolucionário

19out2020

O novo episódio do Vinte Mil Léguas já está no ar! Ouça agora “Os marcianos saíram do cilindro, pt. II”. O Vinte Mil Léguas é realizado pela Quatro Cinco Um em parceria com a Livraria Megafauna e com o apoio do Instituto Serrapilheira.

Darwin demorou muito para revelar ao mundo as suas ideias sobre a transformação das espécies. Ele chegou a um primeiro esboço da teoria da seleção natural em 1842 e, em 1844, já tinha todo seu arcabouço pronto – mas o livro só foi publicado em 1859. Nesse meio-tempo ele amadureceu sua teoria, dedicando-se à pesquisa e a tornar-se um naturalista mais sólido, colecionando fatos e exemplos. Mas esse não era o único motivo para esperar. Ele sabia que o que propunha era transgressor e revolucionário demais para ser lançado no mundo sem uma estratégia adequada. Dizer em público o que ele suspeitava em seu íntimo seria o mesmo que “confessar um assassinato”, como ele mesmo escreveu em carta. O mundo estava se acelerando, mas Darwin estava se recolhendo e se preparando.

Ilustração: Deborah Salles
 

aspas

“Nenhuma bruxaria, nenhuma ação inimiga havia silenciado o renascimento de vida nova nesse mundo abatido. As pessoas haviam feito isso elas mesmas.”

Rachel Carson, em Primavera silenciosa

pessoas

H. G. Wells

Nas duas partes do episódio, trechos de A guerra dos mundos pontuam a narrativa. A obra é uma das mais conhecidas de H. G. Wells. Wells nasceu nos arredores de Londres em uma família pobre, no ano de 1866, sete anos após a publicação de A origem das espécies. Ele estudou ciências com Thomas Henry Huxley, um eminente divulgador das ideias darwinistas, que se apelidava “o buldogue de Darwin”. Wells não se tornou cientista, mas é um dos autores primordiais da ficção científica, formado em um mundo que já estava absorvendo as ideias da obra de Darwin. Os estilos são bem diferentes: o que Darwin tem de ralentado em seu texto, H. G. Wells tem de agilidade. A Terra descrita por Wells: “um planeta cheio de vegetação verde e água cinzenta, com uma atmosfera que sugere fertilidade, e aparições, através de aglomerados de nuvens, de largas extensões de terras com países populosos e mares estreitos coalhados de navios.” Selecionamos textos do blog Mundo Fantasmo, do escritor e tradutor Braulio Tavares, com curiosidades sobre H. G. Wells, um texto sobre os marcianos do autor e outro sobre uma transmissão de A guerra dos mundos no Maranhão.


No meio do caminho, Darwin se encontrou em uma encruzilhada. Na dúvida, ele seguiu o lema da família: “cave et aude” – observa e escuta.
 

A família Darwin-Wedgwood

Charles Darwin e sua esposa Emma Wedgwood eram primos em primeiro grau. Dos dez filhos que tiveram, três morreram ainda crianças, e outros três se casaram, mas não conseguiram ter filhos. Os casamentos entre primos eram chamados de “blood marriages”, casamentos de sangue. Geralmente isso acontecia em famílias ricas como forma de não dividir o patrimônio familiar. No caso da união dos Darwin-Wedgwood, pelo menos cinco dos vinte e cinco casamentos da árvore genealógica foram entre primos. A informação é de um estudo de 2010 feito pela Ohio State University, que analisou a união dessas famílias e o quão prejudicial a endogamia – união consanguínea – poderia ser. É curioso pensar que Darwin só pôde chegar à ideia da seleção natural estudando hereditariedade, as modificações que acontecem de geração em geração. Ele percebeu que as plantas mais aptas e mais vigorosas eram as que tinham fertilização cruzada, ou seja, que não eram autofertilizadas. A descoberta com as plantas fez com que temesse pela saúde dos filhos e até pela sua, já que os seus avós maternos também eram primos. O estudo de Ohio elaborou um "coeficiente de endogamia" para refletir a proporção dos genes herdados pelos filhos que são idênticos aos dos pais. No caso dos filhos do Darwin, 6,3% dos genes herdados eram idênticos. Quanto maior o coeficiente, maior a probabilidade de que crianças herdem genes defeituosos de seus pais.


Charles Darwin sobre seu cavalo Tommy. [Crédito: Darwin Project]
 

lugares

Downe, Kent e a Down House de Darwin

Aos 19 minutos do episódio, ouvimos sobre a o mundo que Darwin criou para si. Uma casa isolada em uma cidadezinha de cerca de 500 habitantes, parada no tempo, onde ele se fechou para criar sua família e conduzir seus estudos e experimentos. Um jardim com três pomares, com canteiros, muito espaço para plantar, um pombal para criar e cruzar pombos, uma estufa aquecida para fazer experiências com orquídeas. Esse foi o lugar onde Darwin passou sua vida adulta. A casa é hoje patrimônio cultural inglês e inclusive está aberta para visitação, com uma programação cultural variada.


As cracas, crustáceos aos quais Darwin dedicou horas de seu dia por quase uma década. [Gravura da “Monografia sobre a Cirripedia” de Darwin, 1854, gravada por George Brettingham Sowerby, Jr.]
 

ideias & invenções

O homem e o macaco

Como ouvimos aos 11 minutos do episódio, Darwin em dado momento aconselha a si mesmo: “Cuidado!” Ele acreditava que suas ideias eram subversivas e que sua teoria geraria muita polêmica, e estava certo. O radicalismo está em sua noção de que a mente é um simples produto do processo de evolução ou, em suas próprias palavras, “uma função do corpo”. O que se pode extrair daí é que Darwin acaba de uma vez com qualquer diferença qualitativa entre humanos e os demais animais. Quem cristalizou isso na ficção foi Franz Kafka, no conto “Um relatório para uma academia”, parte da coletânea Um médico rural. Na história (leia um trecho em português ou a íntegra em inglês), o primata Pedro Vermelho relata a acadêmicos a sua transição de macaco a pessoa, ocorrida ao longo de cinco anos de observação e imitação dos hábitos humanos.


A cientista Rachel Carson, pioneira do pensamento ecológico. [Crédito: Smithsonian Magazine]
 

Ecologia

Uma das obras pioneiras do movimento ecológico é Primavera silenciosa, da bióloga Rachel Carson, publicada originalmente em 1962. No livro, Carson lançou um aviso em relação ao uso indiscriminado de agrotóxicos e seus efeitos a longo prazo: acabar com a biodiversidade de fauna e flora do planeta e criar um mundo de primaveras silenciosas, sem o cantar dos pássaros. Uma imagem ficcional para trazer atenção a problemas muito reais. A obra de Carson é tida pelo naturalista e apresentador inglês David Attenborough como o livro que mais mudou o mundo científico (atrás apenas de A origem das espécies). Conheça mais sobre o legado de Rachel Carson neste artigo da Revista Fapesp e neste especial do Google Arts & Culture, em inglês.


A bióloga evolucionista Lynn Margulis. [Crédito: Brain Pickings]
 

A hipótese Gaia

Até que ponto a humanidade pode alterar o equilíbrio das espécies do planeta sem sofrer as consequências? A hipótese Gaia, criada por James Lovelock e Lynn Margulis, postula que o planeta Terra e sua biosfera, atmosfera e hidrosfera formam um único organismo que se auto-regula. Para além da teoria de Gaia, que tem adeptos e críticos no mundo da biologia, Lynn Margulis deixou outra contribuição muito importante: a descoberta da endossimbiose, isto é, que as primeiras células animais e vegetais se formaram pela união de organismos unicelulares. Leia mais sobre Margulis neste artigo do blog Cientistas Feministas. Para quem quiser saber mais sobre Margulis e suas ideias sobre a interconexão entre as espécies, recomendamos este artigo em inglês do site Brain Pickings.

Outras formas de vida

Enquanto os marcianos não vêm, podemos encontrar formas de vida bastante estranhas e totalmente diferentes de nós muito mais perto do que imaginamos. Você já deu a devida atenção às plantas que te cercam? Muitos autores atualmente se debruçam sobre o quanto podemos aprender com os vegetais, tão distantes de nós humanos quanto qualquer ser extraterrestre. Leia na Quatro Cinco Um uma resenha de A vida secreta das árvores, de Peter Wohlleben, que trata das muitas formas de inteligência vegetal. Para mais sobre as vidas das plantas, recomendamos o artigo “Democracias verdes” de Stefano Mancuso para a Piauí e esta entrevista com o filósofo italiano Emanuele Coccia. Não perca também o Listão Verde da Quatro Cinco Um com alguns dos títulos ligados a ecologia mais importantes do ano.

eventos

As artes dos filhos de Darwin

A entrevistada Maria Isabel Landim comenta no episódio sobre o carinho de Darwin por seus filhos. Parte dessa relação está eternizada nos desenhos que os filhos de Darwin faziam em seus manuscritos de A origem das espécies: grande parte das anotações originais foi descartada pelo naturalista, à exceção das páginas em que seus filhos desenharam. Algumas dessas artes foram reunidas neste artigo do site Brain Pickings.

Quem domina o planeta?

Por fim, se potências alienígenas viessem à Terra e quisessem falar com a espécie dominante do planeta, a quem eles se voltariam? A pergunta não é tão simples quanto parece, como aponta este artigo da BBC, que aborda o tema sob diversos pontos de vista, mostra.

referências do episódio

  • H. G. Wells, A guerra dos mundos
  • Bee Wilson, “Mmmm, chicken nuggets”, em London Review of Books. 
  • G. K. Chesterton, The Victorian Age in Literature.
  • Dava Sobel, Longitude. Companhia das Letras.
  • David Quammen, As dúvidas do sr. Darwin. Companhia das Letras.
  • Michael Ruse, The Darwinian Revolution: science red in tooth and claw. Cambridge University Press. 
  • Samuel Taylor Coleridge, “To a young ass”, em Complete poems.
  • Samuel Taylor Coleridge e William Wordsworth, Lyrical Ballads.
  • William Wordsworth, The Prelude.

vinte mil léguas recomenda

  • Rachel Carson, Primavera silenciosa. Editora Gaia.
  • Franz Kafka, Um médico rural. Companhia das Letras.
  • Stefano Mancuso, A revolução das plantas. Ubu Editora. 
  • Peter Wohlleben, A vida secreta das árvores. Sextante.

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Criação do podcast e edição dos roteiros: Fernanda Diamant
Pesquisa, roteiros e apresentação: Leda Cartum e Sofia Nestrovski
Edição e finalização de som: Nicholas Rabinovitch
Trilha sonora e execução da trilha: Fred Ferreira
Projeto gráfico e ilustrações: Deborah Salles
Produção executiva: Mariana Shiraiwa
Edição das newsletters: Gabriel Joppert
Revisão técnica: Reinaldo José Lopes