Repertório 451 MHz,

Vozes do hospício

O podcast 451 MHz recebe a jornalista Patricia Campos Mello e a historiadora Silvana Jeha para uma conversa sobre mulheres, insubmissão e loucura

24set2021

Está no ar o 49º episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. Neste episódio, Paula Carvalho, editora da Quatro Cinco Um, recebe a jornalista Patricia Campos Mello e a historiadora Silvana Jeha para uma conversa sobre a pioneira do jornalismo investigativo Nellie Bly, que se infiltrou em um hospício feminino em Nova York no fim do século 19, e Aurora Cursino dos Santos, artista e prostituta que foi internada no Hospital Psiquiátrico do Juqueri em meados do século 20, em São Paulo.

O 451 MHz tem apoio dos Ouvintes Entusiastas. Seja um você também! O 451 MHz tem ainda apoio do banco digital brasileiro C6 Bank e do Grupo Editorial Record. O podcast Rádio Companhia, da Companhia das Letras, também apoia o 451 MHz.

Frutos literários

Neste episódio, a conversa gira em torno de mulheres, insubmissão, arte e loucura, tendo como fio condutor as figuras de Aurora Cursino dos Santos, escritora, pintora e prostituta que viveu por anos no hospital psiquiátrico de Juqueri (SP), e Nellie Bly, pioneira do jornalismo investigativo e autora de Dez dias num hospício, resenhado na Quatro Cinco Um por Cristiane Costa.

        
 

O livro ganhou recentemente três novas edições no Brasil: pela Ímã Editorial, com tradução de Carla Cardoso e Júlio Silveira (que traduzem ainda outro clássico de Bly para a editora, A volta ao mundo em 72 dias); pela Wish, com tradução de Carine Ribeiro; e pela Fósforo, com tradução de Ana Guadalupe e prefácio da também jornalista investigativa Patrícia Campos Mello, convidada deste episódio ao lado da historiadora Silvana Jeha, que fala sobre sua pesquisa em torno de Aurora Cursino dos Santos, assunto de seu novo livro em parceria com Joel Birman, que será lançado no final deste ano pela Editora Veneta. 

Histeria feminina

Qual mulher nunca foi chamada de louca? Historicamente, a definição de loucura é uma ferramenta para a marginalização social, tanto mais quando somada a questões de gênero, raça e classe. Silvana Jeha aponta que no hospital psiquiátrico de Juqueri, em que Aurora Cursino viveu, por exemplo, havia quase o dobro de mulheres internadas que homens.


Nellie Bly (Reprodução)
 

Fora do Brasil, a situação não era muito diferente, Nellie Bly se internou em uma instituição psiquiátrica para mulheres de baixa renda sem ao menos precisar falsear qualquer tipo de transtorno psiquiátrico durante sua estadia. Nenhum dos cinco médicos que a examinaram duvidou de sua “encenação”. Isso porque, segundo os relatos da jornalista, muitas das mulheres do manicômio eram lúcidas e não possuíam transtornos mentais aparentes. Em geral, eram mulheres punidas por fugir da moralidade da época: prostitutas, imigrantes, homossexuais, bissexuais, aquelas que haviam engravidado antes de casar etc. Os escritos de Nellie Bly sobre o dia a dia na clínica não passaram batido: ainda que silenciados por algum tempo, eles renderam inúmeras audiências públicas e motivaram reformas no sistema manicomial norte-americano.

Erotismo, rebeldia e tatuagens

O feminismo de Silvana Jeha não se inicia com sua pesquisa sobre Aurora Cursino dos Santos. Tanto o erotismo quanto a rebeldia são temáticas condutoras de seus textos, que já abordaram transativismo, libertação feminina e a desmistificação do trabalho sexual.


 

Para Silvana, ouvir as trabalhadoras sexuais é essencial para que as mulheres parem de reprimir suas próprias vontades pelo medo de serem taxadas como putas ou punidas como loucas. Ela é autora de Uma história da tatuagem: do século 19 à década de 70 (Veneta, 2019) — resenhado na Quatro Cinco Um por Eliane Robert Moraes —, em que aborda o contexto social marginalizado das tatuagens.

Uma puta intelectual

      
Obra sem título e A Brazileira, de Aurora Cursino dos Santos. Óleo sobre papel. Coleção do Museu de Arte Osório Cesar. Cortesia do Complexo Hospitalar do Juquery e Prefeitura de Franco da Rocha. [Foto de Gisele Ottoboni/Prefeitura de Franco da Rocha]

Aurora Cursino dos Santos foi prostituta e viveu por mais de dez anos em um manicômio — e, assim como outras artistas trabalhadoras sexuais, era uma mulher bastante culta. Adorava escutar Chopin e era leitora assídua de Émile Zola — os estudiosos atribuem muito da qualidade de suas pinturas a seu gosto considerado sofisticado.

Em uma de suas pinturas, Aurora fez um retrato no qual transava com o compositor e instrumentista Zequinha de Abreu. Não se tem certeza da veracidade da cena, mas a pintora não apenas teria conhecido o músico como servido como inspiração para uma de suas composições, a valsa A Noite Desce.

Mais na Quatro Cinco Um

A violência contra as mulheres e sua luta por igualdade foram temas de diversos artigos na Quatro Cinco Um. Segundo conta Maíra Rosin na edição 47, as ruas continuam sendo nomeadas em homenagem a homens feminicidas. Rosin também conta sobre as placas de ruas que resgatam as histórias submersas de mulheres que trouxeram vida à cidade de São Paulo na edição 43 da revista. Na edição 44, Paula Carvalho resenha os livros de Silvia Federici, Patricia Hill Collins e Sirma Bilge que mostram a importância de discutir gênero para a luta política. Carvalho também resenhou na edição 28 os livros Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais e O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista, que ajudam a entender os aumentos das taxas de feminicídio no Brasil. Na edição 16, Marina Ganzarolli observou a criminalização de comportamentos femininos no começo do século 20.

No tema da psiquiatria e da luta antimanicomail, Frantz Fanon, médico pioneiro nascido na Martinica, é tema de dois textos. Na edição 42, Rachel Gouveia escreve sobre como ele influenciou a reforma psiquiátrica no Brasil; e, na edição 35, Deivison Faustino analisa como ele articulou de forma pioneira o antirracismo à prática clínica. Na edição 46, o clássico Memórias de um doente dos nervos, de Daniel Paul Schreber, que inspirou Freud e Walter Benjamin, foi tema de texto assinado por Geraldo Mayrink.

Narradores do Brasil

Na coleção de episódios roteirizados Narradores do Brasil, o 451 MHz faz breves incursões no formato narrativo para explorar a vida e a obra de nossos grandes autores. Ouça agora mesmo os quatro primeiros episódios, sobre Rubem Fonseca, Lygia Fagundes TellesNelson Rodrigues e Paulo Freire. E, em breve, um novo episódio!

O melhor da literatura LGBTI+

No quadro, que tem apoio do C6 Bank, Alexandre Vidal Porto, escritor, diplomata brasileiro e mestre em Direito pela Universidade de Harvard, recomenda o livro A cidade e o pilar (Rocco, 1989), do norte-americano Gore Vidal.

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck e Paula Carvalho
Coordenação Geral: Paula Scarpin e Vitor Hugo Brandalise
Produção: Gabriela Varella
Edição: Claudia Holanda
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Juliana Jaeger
Gravado com apoio técnico da Confraria de Sons & Charutos (SP).
Para falar com a equipe: [email protected].br