Repertório 451 MHz,

Machado de Assis entre travessões

Hélio de Seixas Guimarães e Sérgio Rodrigues falam do ambicioso projeto de edição dos 26 livros que o autor publicou em vida e sua presença no século 21

10fev2023

Está no ar o 81º episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste episódio falamos de um autor inesgotável: Machado de Assis, com a presença dos convidados Hélio de Seixas Guimarães e Sérgio Rodrigues.

Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. O 451 MHz tem apoio dos Ouvintes Entusiastas. Seja um você também!

Machado pelos escritores

O crítico literário Hélio de Seixas Guimarães é um dos maiores especialistas em Machado de Assis e essa é a segunda participação dele no 451 MHz; sua primeira aparição foi no oitavo episódio do podcast ao lado de Flora Thomson-DeVeaux, que traduziu Memórias póstumas de Brás Cubas para o inglês.


Hélio Seixas Guimarães [Arquivo pessoal]

Seixas Guimarães escreveu livros importantes em torno da obra e da recepção dos textos do Bruxo do Cosme Velho. Dentre eles, Machado de Assis, o escritor que nos lê: a figura e a obra machadianas através da recepção e das polêmicas (Editora Unesp, 2017), Os leitores de Machado de Assis (Edusp, 2012) e Escritor por escritor: Machado de Assis segundo seus pares (1908-1939), ao lado de Ieda Lebensztayn (Imprensa Oficial, 2018 e 2020), em dois volumes – o último deles foi resenhado por nosso editor Mauricio Puls e pelo crítico literário Victor da Rosa.

Seixas Guimarães também está coordenando uma das grandes coleções em torno do autor que vai sair este ano pela editora Todavia. São todos os livros publicados por Machado, um total de 26 títulos, com o intuito de ver a trajetória desse grande escritor.


O autor Sérgio Rodrigues [Renato Parada/Divulgação]

O escritor, jornalista e crítico literário Sérgio Rodrigues lançou no ano passado o romance A vida futura, publicado pela Companhia das Letras e que foi votado um dos melhores livros de ficção de 2022 pelos colaboradores da Quatro Cinco Um. O livro foi resenhado por Ana Cristina Braga Martes na edição 62 da revista dos livros.

A vida futura, de Sérgio Rodrigues, é um livro cômico para ser levado a sério, por tocar corajosamente em temas nada engraçados e bastante polêmicos: raça, gênero e decadência generalizada. É também um livro ousado, narrado com erudição, sutileza e ironia por ninguém menos que Machado de Assis. Desafiando os adeptos do lugar de fala, Rodrigues se apropria da personalidade, das ideias, do estilo e, principalmente, da linguagem de Machado. "O inferno sob medida para os escritores seria a contemplação forçada e eterna da própria obra’”, escreve ele.

Não só Machado, mas seus personagens também foram apropriados por outros autores. O Conselheiro Aires, de Memorial de Aires (1908), é o protagonista do romance Homem de papel, de João Almino (Record, 2022), resenhado pela jornalista Paula Sperb. “Almino — ele próprio um diplomata de carreira — conseguiu manter a coerência do personagem ao rejuvenesce-lo. Os leitores familiarizados com a voz de Aires e sua mentalidade aberta ao novo e sua convicção em não tomar partido de grandes questões não se decepcionarão. Na verdade, é quase um presente descobrir que é possível um Aires que usa 'boné e óculos escuros' e caminha pelas ruas de Brasília, cidade que percorre parte significativa da obra de Almino”, comenta ela.

O olhar das mulheres

Duas grandes críticas literárias foram muito importantes para mudar interpretações em torno da obra de Machado: a estadunidense Helen Caldwell e a brasileira Lucia Miguel Pereira. Caldwell foi a primeira a afirmar que Capitu não havia traído Bentinho em Dom Casmurro, botando mais lenha na fogueira em torno dessa polêmica insolúvel da literatura brasileira. Autora da primeira tradução para o inglês desse romance, ela escreveu em 1960 um livro que defendia essa hipótese, mas que só foi publicado no Brasil décadas depois, sob o título O Otelo brasileiro de Machado de Assis (Ateliê, 2002).

                

Isso levou uma série de escritores e críticos a redigir comentários e ensaios sobre essa polêmica. Um dos principais é Dalton Trevisan, que brincou com essa ideia em vários de seus textos e contos, como Capitu sou eu (Record, 2003).

Já Lucia Miguel Pereira foi a primeira a fazer uma biografia do autor, em Machado de Assis. Estudo crítico e biográfico, lançado em 1938. A crítica literária foi tema de uma coluna de Paulo Roberto Pires na edição 29 da Quatro Cinco Um.

Lygia Fagundes Telles foi outra escritora muito influenciada por Machado de Assis, tendo escrito junto com Paulo Emílio Sales Gomes o roteiro do filme Capitu, adaptação cinematográfica para Dom Casmurro.

Inesgotável na Quatro Cinco Um

Machado de Assis é, provavelmente, um dos autores mais referenciados nos textos publicados da Quatro Cinco Um. Ele foi capa de duas belas edições da revista, a 39, com retrato feito por Dalton Paula, e a 28, com uma famosa foto do autor colorizada pela Faculdade Zumbi dos Palmares e agência Grey Brasil para a campanha Machado de Assis Real.

                

A negritude de Machado de Assis foi tratada por Tom Farias na mesma edição 39, em que abordou seu caráter múltiplo e destacou alguns escritores que o desprezavam por causa da sua raça. “Para Monteiro Lobato, Machado era ‘pobre, paupérrimo, humílimo. Um zero. O mais absoluto dos zeros’”, escreve ele.

Seixas Guimarães também colaborou escrevendo resenhas sobre livros que abordam Machado, como Dicionário de Machado de Assis, de Ubiratan Machado. “O que já era bom ficou ainda melhor. Nos dias que correm, são raras as ocasiões em que podemos tirar o pó desse velho clichê. Mas é o caso de evocá-lo aqui, a propósito do lançamento da segunda edição do Dicionário de Machado de Assis, revista e ampliada, lançada em parceria da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo com a Academia Brasileira de Letras e a Imprensa Nacional de Portugal”, escreve ele na edição 48.

Há vários outros textos sobre um dos grandes nomes da literatura do século 19, por isso convidamos a fazer a busca aqui no site da Quatro Cinco Um.

O melhor da literatura LGBTI+

Flavio Cafiero, autor de Diga que não me conhece (Todavia, 2021), indica Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, que teve edição mais recente publicada pela Todavia em 2019.

Esse romance, publicado originalmente em 1895, conta a história de Amaro, escravizado foragido que, ao ingressar na Marinha, torna-se livre. Mais tarde, ele conhece Aleixo, um homem branco com quem passa a ter uma uma relação homossexual.

Confira a lista completa de indicações dadas no podcast 451 MHz, no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.

O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Coordenação Geral: Évelin Argenta e Paula Scarpin
Produção: Ashiley Calvo
Edição: Gabriela Varella
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace e Luis Rodrigues, da Pipoca Sound
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Juliana Jaeger e FêCris Vasconcellos
Para falar com a equipe: [email protected]