Repertório 451 MHz,

Ferrante e Starnone: as mentiras e os segredos dos escritores

Episódio #19 do podcast 451 MHz discute a literatura italiana que vem fazendo a cabeça dos leitores mundo afora

05jun2020

Está no ar o décimo nono episódio do 451 MHz, o podcast da revista dos livros! Duas vezes por mês, trazemos entrevistas, debates e informações sobre os livros mais legais publicados no Brasil. 

Esta não é uma semana qualquer para o leitor de literatura no país. Com poucos dias de diferença, estão saindo dois romances importantes, cada um em seu estilo: A vida mentirosa dos adultos, de Elena Ferrante, que sai primeiro em edição exclusiva para os assinantes do clube Intrínsecos, da editora Intrínseca; e Segredos, de Domenico Starnone, publicado pela Todavia.

O 451 MHz convidou dois críticos literários para comentar esses romances impressionantes pela qualidade literária e pela capacidade de atrair leitores: a ensaísta Eliane Robert Moraes e o tradutor Mauricio Santana Dias. O fenômeno Ferrante ajudou a impulsionar uma boa quantidade de autoras e autores italianos, vivos ou mortos, em diversos países. Starnone é um deles, e suas inegáveis afinidades com a prosa de Ferrante foram um dos temas desta conversa. O apoio a este episódio é da editora Companhia das Letras.

Ouça o episódio aqui e agora: 

A página Repertório 451 MHz reúne os links para o último episódio e para os livros citados, listas, além de imagens, sugestões de leitura e outras indicações para se aprofundar nos temas discutidos. 

O podcast 451 MHz pode ser ouvido gratuitamente no site da revista e também nos principais tocadores de podcasts. Ele é publicado na primeira e na terceira sexta-feira de cada mês. 

A apresentação é do editor Paulo Werneck e a direção é da jornalista Paula Scarpin, da Rádio Novelo, start-up de podcasts que produz o 451 MHz para a Associação Quatro Cinco Um. Para contribuir com a realização do podcast, convidamos você a fazer uma assinatura da Quatro Cinco Um, a revista dos livros.

Bloco 1 (1:26)

Quando a Quatro Cinco Um foi lançada, em maio de 2017, a capa da primeira edição trazia uma colagem de Laura Teixeira que mostrava um vulcão prestes a entrar em erupção — ou será que já havia entrado? A ilustração foi criada para representar a força da literatura de Elena Ferrante, autora italiana que tinha o quatro volume da Tetralogia Napolitana, A história da menina perdida, recém-traduzido no Brasil. À autora do texto, a crítica literária Eliane Robert Moraes, foi pedido que escrevesse sobre o fascínio que a prosa da italiana exerce sobre os leitores, como quem abre um brinquedo para ver como funciona por dentro.

Três anos depois da publicação do texto, convidamos Eliane Robert Moraes a voltar à autora italiana, por ocasião do lançamento de A vida mentirosa dos adultos (Intrínseca). Para falar a seu lado, embora separados por quilômetros de distância, o tradutor Mauricio Santana Dias, dono da voz brasileira da Tetralogia Napolitana que acabou traduzindo também um outro grande autor, Domenico Starnone. Especializado em autores clássicos como Pirandello e Nathalia Ginzburg, com Ferrante e Starnone o tradutor mergulhou na carne vida da literatura contemporânea — e veio ao nosso podcast para contar como é essa experiência. Ele acaba de publicar a sua terceira tradução de Starnone, Segredos.

Dias e Moraes conversaram sobre as dubiedades que Elena Ferrante explora, valendo-se da rara combinação de um ouvido afiado para a fala popular e uma profunda cultura literária. A própria autora registrou um pouco dos seus segredos no volume Frantumaglia, que reúne artigos, entrevistas e escritos esparsos sobre literatura, um livro cheio de pistas sobre o processo de criação da autora, resenhado por Santana Dias na Quatro Cinco Um. 

Que Elena Ferrante seja dada a jogos e dubiedades não é nenhum mistério — o próprio pseudônimo com que assina os livros, mais do que circunstância biográfica ou temperamento recluso, rompe na obra literária a expectativa do realismo, conforme observaram os entrevistados. Uma reportagem investigativa publicada na revista New York Review of Books aponta que a identidade verdadeira de Ferrante é a tradutora Anita Raja… que vem a ser casada com Domenico Starnone. O qual, por sua vez, não tem este sobrenome em seus documentos: é, também, um pseudônimo. 

Os disfarces de autoria e os jogos literários e linguísticos na obra dos dois escritores foram um dos temas dominantes do primeiro bloco do programa, que também discutiu a literatura feminina, a longa fila de mulheres retratadas nas obras de Ferrante, as questões de tradução, a presença reprimida do dialeto napolitano e as perdas que as personagens invariavelmente sofrem. 
 

Bloco 2 (31:45)

No início do segundo bloco, o ator Antonio Fagundes faz uma participação especialíssima.

Antonio Fagundes lê um trecho do romance “Segredos”, de Domenico Starnone (35:40)

Teresa insinuou cheia de dedos uma proposta e disse: vamos combinar que eu te conto um segredo horrível meu, que nem a mim mesma nunca tentei dizer, e você me conta um seu equivalente, uma coisa que, se fosse descoberta, te destruiria para sempre. Sorriu como se estivesse me convidando para um jogo, mas lá no fundo me pareceu muito tensa. Logo me senti também ansioso, fiquei assustado, preocupado que ela, aos vinte e três, pudesse ter um segredo tão inconfessável. Eu, que estava com trinta e três, tinha um, e se tratava de uma história tão embaraçosa que só de pensar nela eu me ruborizava, baixava os olhos para a ponta dos sapatos, esperando que a perturbação passasse. Demos voltas em torno do assunto, nos perguntando quem confessaria primeiro. 

— Primeiro você — ela disse, e o tom era imperioso e irônico, o mesmo que costumava usar quando transbordava de afeto. 

— Não, primeiro você, preciso avaliar se seu segredo é tão horrível quanto o meu. 

— E por que eu deveria confiar, e você não? 

— Porque conheço meu segredo e acho impossível que você tenha um tão inconfessável. 

Por fim, depois desse vaivém ela acabou cedendo, especialmente irritada — suponho — com o fato de eu não considerá-la capaz de ações inomináveis. Deixei que falasse sem interrupções e no final não consegui formular um comentário adequado. 

— E então?

— É feio.

— Eu te avisei, agora é sua vez. E, se me contar uma tontice, vou embora e você nunca mais me vê.

Então me abri, a princípio de modo fragmentário, depois cada vez mais articulado, e não queria parar de falar, foi ela quem disse chega. Soltei um longo suspiro e disse: — É. 

— Não está contente?

— Estou. 

— Foi uma ideia sua. 

— Foi. 

— Agora você sabe de mim o que ninguém nunca soube. — E você também sabe de mim.

— Não podemos nos deixar nunca, de fato estamos nas mãos um do outro.

— Gosto de você.

— Eu também.

— Mas eu gosto muito. — E eu muito, muito. 

Poucos dias depois, sem bater boca, ao contrário, com um protocolo cortês que nunca tínhamos usado entre nós, decidimos que nossa relação estava encerrada e de comum acordo terminamos.

Tradução de Mauricio Santana Dias

Parênteses

Companhia das Letras (0:23)

Este episódio tem o apoio da editora Companhia das Letras. 

A editora Companhia das Letras lança com exclusividade para e-book o novo romance de Santiago Nazarian. O romance nos coloca numa época de minorias perseguidas, de nativos expulsos de suas próprias terras, da religião majoritária se impondo sobre um povo. Estamos no Brasil de 2017, às vésperas de uma eleição reveladora; e estamos em 1915, em plena Primeira Guerra Mundial. Quem une essas duas épocas é Cláudio, um jovem cuidador de idosos que vai trabalhar para Domingos, um senhor armênio. A partir da leitura de um livro de memórias, Cláudio começa a suspeitar de que possa estar diante de um dos últimos sobreviventes de um dos maiores massacres do século 20, e sua responsabilidade como cuidador é mantê-lo vivo. Fé no Inferno aborda com uma coragem incomum problemas de classe, etnia, gênero e orientação sexual.

Confira o lançamento em www.companhiadasletras.com.br

Assinantes da Quatro Cinco Um têm direito a 20% de desconto nas compras do site.

451 MHz — Ouvinte entusiasta (23:47)

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Os ouvintes entusiastas desta edição são:

Patrícia Carneiro de Brito
Sandrine Ghys
Julia Guarilha
Mariah Guedes
Leila Lima
Gabriel Navarro Colaço
Luísa Plastino
Debora Sader
Gustavo Sénéchal
Tatiana Vargas
Luiza Martins Werneck

Ficha técnica:
O 451 MHz é uma produção da Rádio Novelo para a Quatro Cinco Um
Apresentação: Paulo Werneck
Direção: Paula Scarpin
Edição: Paula Scarpin, Cláudia Holanda e Vitor Hugo Brandalise
Produção: Vitor Hugo Brandalise
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: João Jabace
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Kellen Moraes
Gravado com apoio técnico da Som de Cena (SP).
Para falar com a equipe: contato@arevistadoslivros.com.br