Listão da Semana,

‘China: o socialismo do século 21’ e mais seis lançamentos

A ficção afrofuturista de Ale Santos, um livro infantil de Laerte e Maria Rita Kehl, a biografia de Yoshihiro Tatsumi e mais

23nov2021

Fracasso do socialismo ou reinvenção do modelo socialista para o novo século? Alberto Gabriele e Elias Jabbour, que há anos se dedicam ao estudo da organização econômico-social chinesa, desenvolvem a segunda hipótese em China: o socialismo do século 21, que chega nesta semana às livrarias. Os autores compilaram estatísticas e análises teóricas para escrever um ensaio robusto destinado ao público geral — afinal, o mundo todo é afetado pelo que acontece (ou vai acontecer) na República Popular da China — e investigam no livro se o socialismo de mercado chinês estaria entrando em um estágio superior de desenvolvimento. 

Completam a seleção da semana os ensaios de John Berger sobre as transformações no relacionamento entre os homens e os animais no mundo contemporâneo; a ficção afrofuturista do escritor, roteirista e podcaster Ale Santos; o roteiro do musical Amor, sublime amor (West Side Story) convertido em romance; um livro infantil de Laerte e Maria Rita Kehl e as biografias de Yoshihiro Tatsumi, que foi líder do movimento de mangás voltados a adultos, e da cantora argentina Mercedes Sosa. 

Viva o livro brasileiro!

China: o socialismo do século 21. Alberto Gabriele e Elias Jabbour.
 Pref. Francesco Schettino • Boitempo • 314 pp • R$ 67

Uma análise inovadora da economia chinesa, que sustenta que o país constitui a primeira experiência de uma nova classe de formações econômico-sociais (que hoje inclui o Vietnã e o Laos). Segundo os autores, a China é a primeira experiência dessas novas formações, surgidas após as reformas econômicas realizadas em 1978, que reinventaram o socialismo chinês e geraram um crescimento mercantil vigoroso — mostrando que a planificação socialista é compatível com o mercado. Nessa forma de planificação, o Estado tomou para si a tarefa de transformar empresas de sua propriedade em pontas de lança da ciência, da tecnologia, com crescentes ganhos de escala e produtividade, evitando erros que comprometeram as experiências socialistas (como a coletivização forçada de Stálin na União Soviética e o Grande Salto Adiante de Mao na China).
Para Francesco Schettino, que assina o prefácio, o ensaio de Gabriele e Jabbour tenta fornecer ao leitor uma chave para interpretar os modelos de socialismo baseado em análises teóricas e estatísticas, sem ser condicionado por vieses ideológicos ou partidários. "Evidentemente, desconsiderar a complexidade da China, colocando-a como mais um fracasso socialista engolido pelo capitalismo, seria o mesmo que cair em uma postura ideológica trivial, errônea e anticientífica. Da mesma forma, não seria menos obtuso entregar-se a uma atitude maoista pró-China quase religiosa, referindo-se a um longo período histórico do qual permanecem apenas alguns traços em nível iconográfico", escreve Schettino. 

Leia também: Ruy Fausto lança as bases para uma reconstrução do socialismo, mas se esquece das lutas identitárias.

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Por que olhar para os animais. John Berger.
Trad. Pedro Paulo Pimenta • Fósforo  • 106 pp • R$ 59,90

Oito ensaios do grande crítico de arte britânico (autor do célebre Modos de ver, de 1972, que revolucionou o modo como as artes visuais eram compreendidas). Escritos entre 1971 e 2009, os textos deste livro discutem as transformações no relacionamento entre os homens e os animais no mundo contemporâneo e o desaparecimento de formas arcaicas de interação que tiveram um papel crucial no desenvolvimento da sociedade humana. O volume traz ainda um relato sobre o dia da morte do filósofo Ernst Fischer, autor do clássico A necessidade da arte

Trecho do livro: "Hoje de manhã, bem cedo, eu ainda estava na cama quando uma andorinha entrou pela janela, circundou o quarto, constatou que se equivocara e voou para fora, passando pelas ameixeiras e pousando sobre os cabos telefônicos. Se conto esse pequeno incidente é porque ele parece ter a ver com as fotografias de Pentti Sammallahti. Elas também, como as andorinhas, são inusuais."

Leia também: Livros exploram a história de nossa coabitação com cachorros e primatas e o que as emoções dos animais revelam sobre nós.

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O último ancestral. Ale Santos.
HarperCollins • 344 pp • R$ 59,90

Ficção afrofuturista sobre um distrito dominado por seres híbridos (humanos e máquinas), que criaram uma violenta hierarquia racial e segregaram a população negra para uma favela que fica do outro lado da fronteira. É lá que vivem Eliah, jovem integrante de um esquema de roubo de carros que abastece a elite branca do distrito, e a sua irmã Hana, uma adolescente autodidata em linguagens eletrônicas. Tudo começa a mudar quando Eliah tem um sonho com a bicentenária Moss, fundadora do distrito. Leia aqui a entrevista de Ale Santos para a Quatro Cinco Um. 

Trecho do livro: "Dentro do carro, o suor já havia secado. 'Tenho algumas horas de vantagem, fiz o trabalho direito', pensou Eliah. Estava curtindo o momento, sentindo o carro flutuar com sua velocidade e seu sistema magnético. Ficou imaginando como devia ser aquele lugar antes de os Cygensm, os Cybergenizados, dominarem de vez a cena. Escolas de samba incendiando o solo, suas alegorias projetando imagens no céu, exibindo enormes hologramas, personagens históricos assistidos por todo o Distrito, seus tambores, tamborins e cavaquinhos ecoando pelos sete cantos."

Leia também: Coletânea de contos e ensaios mostra o processo criativo de Octavia Butler, grande dama da ficção científica.

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Amor, sublime amor: West Side Story. Irving Shulman.
Trad. Flavia Rössler • Intrínseca • 176 pp • R$ 39,90/26,90

Autor do primeiro roteiro do filme Juventude transviada (1955, com James Dean e Natalie Wood), Shulman converteu em um romance o musical da Broadway de 1957 (de Arthur Laurents, Leonard Bernstein, Stephen Sondheim e Jerome Robbins) que trazia Romeu e Julieta para o século 20 e mostrava o preconceito étnico (contra os hispânicos) como o principal motor do conflito entre as famílias. O musical foi vertido para o cinema em 1961 por Robert Wise (com Natalie Wood no papel de Maria e Richard Beymer no de Tony). Em dezembro, estreia uma nova versão cinematográfica, de Steven Spielberg, com Rachel Zegler e Ansel Elgort. 

Leia também: Memórias de Peter Brook sobre setenta anos de suas montagens de Shakespeare demonstram que é no palco que o conhecemos melhor.

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O disco-pizza. Maria Rita Kehl & Laerte Coutinho. 
Boitatá • 32 pp • R$ 45

Os pais de Gil não celebravam o Natal, diziam que era apenas uma festa comercial. Mas, como ele queria muito uma festa, eles acabaram pedindo pizza e refrigerante. Ele então pega a caixa redonda da pizza e a transforma em um disco voador, aproveitando um pisca-pisca antigo. Aí os alienígenas da nave saem para visitá-lo. Eles dispõem de uma antena tradutora e conseguem entender e falar o português. Gil se entende bem com eles e, a partir daí, seus Natais ficaram mais animados. Quem conta sobre o Natal de Gil e seu disco-pizza são a psicanalista Maria Rita Kehl e a cartunista Laerte Coutinho, que já tinham escrito em parceria Neném outra vez!, história para crianças escolhida entre os melhores lançamentos do ano na edição especial da Quatro Cinco Um de outubro de 2018.

Ouça também: Laerte e Maria Rita Kehl tentam resumir 45 anos de amizade em episódio do 451 MHz.

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Vida à deriva vols. 1 e 2. Yoshihiro Tatsumi.
Trad. Drik Sada • Veneta • 464 pp (vol. 1) e 456 pp (vol. 2) • R$ 199,90

Autobiografia de Tatsumi, o livro conquistou diversos prêmios internacionais (Tezuka, Angoulême, Eisner). A narrativa vai dos seus 12 até os 25 anos, quando era o líder do movimento gekigá. Tatsumi adotou as referências cinematográficas que Osamu Tezuka começava a aplicar nos quadrinhos nos anos 60, às quais somou influências da literatura e do teatro. No livro, o protagonista trava longas conversas com seu irmão (que também viria a desenhar HQs) sobre as histórias de que gostam, e alguns desses papos se transformam em páginas e, depois, em propostas para editoras. Leia aqui a resenha de Érico Assis sobre a obra.

Leia também: Em obra que aborda o nazismo, Osamu Tezuka, o pai do mangá, faz um alerta sobre o fascismo histórico.

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Mercedes Sosa: a voz da esperança. Anette Christensen.
Trad. Mariana D’Angelo. Tribute2Life. 235 pp. R$ 55,90/14,95

A escritora dinamarquesa narra a vida e a carreira da cantora argentina desde seu nascimento, em San Miguel de Tucumán, em 1935, o início de sua carreira musical numa rádio, seus primeiros álbuns, a militância política, as perseguições e o exílio. A autora do livro também fala do tremendo impacto que as canções tiveram sobre ela num momento de desespero, após a falência de suas empresas e seu esgotamento psíquico: “Foi no auge do meu mais profundo desespero que a descoberta de Mercedes Sosa despertou em mim uma nova esperança, que deu início a minha recuperação”.

Trecho do livro: "Logo após seu regresso, Mercedes planeja fazer treze shows em sete dias na casa de espetáculos Teatro Opera, em Buenos Aires. Ela acredita que sua fama internacional impedirá os militares de a prejudicarem, já que eles querem evitar chamar a atenção internacional. Ainda assim há riscos, se não para ela, para os fãs que comparecerem ao concerto que já está com os ingressos esgotados. A polícia está presente, Mercedes sabe." 

Leia também: Biografia narra a trajetória de Clementina de Jesus, neta de escravizados que despontou como sambista aos 63 anos de idade.

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Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.