Festival literário, Flip,

Flip, com menos terno e gravata, homenageia Maria Firmina dos Reis

Em edição com muitas mulheres e autores nacionais, Festa Literária de Paraty dá ênfase a novos nomes e experimentações literárias

13set2022

Nesta edição em que a Flip celebra seus 20 anos, a curadoria coletiva propõe o tema “Ver o invisível” e homenageia a escritora negra Maria Firmina dos Reis (1822-1917), considerada a primeira romancista brasileira.

O nome da homenageada e a programação, que acontece de 23 a 27 de novembro de 2022, em Paraty, foram anunciados nesta terça, 13. 

Pela segunda vez na história da festa literária, a curadoria foi coletiva, composta pela jornalista, tradutora e editora Fernanda Bastos, do Rio Grande do Sul, a professora e crítica literária Milena Britto, da Bahia, e o professor e pesquisador Pedro Meira Monteiro, fundador do Brazil LAB (Luso-Afro-Brazilian Studies) da Universidade de Princeton (EUA). Para Monteiro, “a curadoria da Flip nunca mais vai ser (ou nunca mais deveria ser) individual”.

“Nosso esforço foi ter na programação muitas vozes. Vivemos um momento rico da produção editorial. Há tanto uma abertura nas grandes editoras para a diversidade de vozes quanto uma riqueza de pequenas editoras, que fazem esse esforço para trazer a pluralidade aos seus catálogos”, diz Bastos.

Em 2022 a Flip retorna ao formato presencial para o público e para os autores, como nos velhos tempos. Em 2021 os debates da Flip aconteceram via transmissão digital, com ações reduzidas em Paraty.

O esforço dos curadores foi buscar uma diversidade menos óbvia, refletida nos experimentos, na linguagem, na estética

A data, este ano, está fora do habitual mês de julho em que foram realizadas todas as edições presenciais da festa. O deslocamento é uma consequência da pandemia e do ritmo do retorno do setor cultural aos eventos presenciais.

O esforço dos curadores foi buscar uma diversidade menos óbvia, refletida nos experimentos, na linguagem, na estética. E fazendo combinações de mesas para colocar autores em lugares onde não se espera os encontrar: poesia com quadrinhos, homem cis branco com ativista trans.

Bênção de Maria Firmina

Segundo Monteiro, “o nome de Maria Firmina dos Reis veio dar uma espécie de bênção. Ela é parte fundamental da literatura do século 19 que não entrou na história literária hegemônica”. E também conversa com duas grandes efemérides do ano, o bicentenário da Independência e os cem anos da Semana de Arte Moderna (e toda a discussão sobre outros modernismos). “Mais importante do que ser uma escritora negra é ser uma escritora do país, que pensava um projeto de Brasil. É perfeito que seja uma autora negra a colocar fermento nessa discussão, que não é apenas das mulheres negras”, diz Britto.

Estão programadas duas mesas em homenagem a Maria Firmina: na abertura, quarta-feira, com Fernanda Miranda e Ana Flávia Magalhães, e quinta, com Lilia Schwarcz e Eduardo de Assis Duarte, que terá também como tema a Independência.

Há ainda uma novidade, a mesa com artista em destaque, na qual Nay Jinknss, fotógrafa do Pará, falará sobre a obra de Claudia Andujar — é a primeira vez que a Flip celebra a trajetória de uma artista viva.

Mulheres e novos nomes

Na programação das mesas, nas quais predominam mulheres e autoras e autores brasileiros, o esforço foi trazer nomes novos e evitar repetições das últimas edições ­— com algumas exceções, como Geovani Martins, que esteve no programa principal em 2015 e estará em uma mesa com Ladee Hubbard, de Nova Orleans (EUA), autora de The talented Ribkins que foi professora de estudos africanos e afrodiaspóricos na Universidade Tulane.

“Nós queremos uma Flip com menos terno e gravata. Temos absoluta consciência de que o espírito do nosso tempo requer essa intervenção, e que nós também temos um papel nessa reinvenção necessária dos livros”, afirma Monteiro.

Entre os convidados internacionais, uma mistura de latino-americanos (Teresa Cárdenas, de Cuba, Camila Sosa Villada e Cecília Pavón, da Argentina); europeus (Annie Ernaux e Natassja Martin, da França; Patricia Lino, de Portugal) e alguns autores que transitam entre fronteiras como Benjamín Labatut (Chile/EUA), Prisca Augustoni (Brasil/Itália) — em uma mesa com Bessora (Bélgica/Gabão) e Carol Bensimon (Brasil); e Rita Segato (Argentina/Brasil) que participa de uma mesa com a escritora e professora nova-iorquina Saidiya Hartman.

A composição das mesas não foi pensada por afinidades identitárias (embora estejam na pauta), mas no sentido de criar fricções e diálogos artísticos. “Não acho que ética, estética e política estejam desvinculados”, diz Britto. Estarão lado a lado, a escritora e ativista Amara Moira e o escritor Ricardo Lísias; Cidinha da Silva e Cristhiano Aguiar; a antropóloga e escritora Natassja Martin e a velejadora Tamara Klink; Annie Ernaux e Veronica Stigger; a poeta Cecilia Pavón e a quadrinista Fabiane Langona.

Poesia

A poesia, geralmente não muito destacada nos festivais, é incorporada em várias mesas, como a de Cida Pedrosa com Teresa Cárdenas, a de Eduardo Sterzi com Allan da Rosa ou a de Ricardo Aleixo com Lenora de Barros e Patricia Lino, que discute as interesecções entre poesia, artes visuais e performances.

As mesas não foram pensadas por afinidades identitárias (embora estejam na pauta), mas no sentido de criar fricções e diálogos artísticos

Já as apresentações de todo o tipo (música, teatro) realizadas além da tenda principal foram prejudicadas por cortes orçamentários. “Pensamos em muitas coisas na nossa proposta, mas o corte de patrocínios fez com que boa parte ficasse só no sonho. O ano foi injusto”, diz Britto. Mesmo assim, os curadores esperam algumas definições. “Ainda há espaço para preencher com pequenas surpresas”, diz Meira. 

Segundo Mauro Munhoz, diretor artístico da Flip, o orçamento da Flip é de seis milhões de reais — ainda em fase de captação.

Programação das mesas

20ª Flip: de 23 a 27 de novembro de 2022 , em Paraty (RJ)

Quarta-feira, dia 23

Mesa 1 (19h): Pátrios lares
Homenagem: Maria Firmina dos Reis, com Fernanda Miranda (BA) e Ana Flávia Magalhães Pinto (DF)

Quinta-feira, dia 24

Mesa 2 (10h30) : Minha liberdade
Homenagem Maria Firmina dos Reis + Independência, com Lilia Schwarcz (SP) e Eduardo de Assis Duarte (MG)
Mesa 3 (12h): O brando leque do gentil palmar, com Teresa Cárdenas (Cuba) e Cida Pedrosa (PE)
Mesa 4 (19h): O corpo de imagens, com Lenora de Barros (SP), Ricardo Aleixo (MG) e Patricia Lino (Portugal)
Mesa 5 (20h30): A festa das irmãs perigosas, com Camila Sosa Villada (AR)eLuciany Aparecida (BA)

Sexta-feira, dia 25

Mesa 6 (10h30): Ainda longos combates, com Allan da Rosa (SP) e Eduardo Sterzi (RS)
Mesa 7 (12h): Risco e transformação, com Cecilia Pavón (Argentina) e Fabiane Langona (RS)
Mesa 8 (15h30): O que deixaram para adiante, com Ladee Hubbard (EUA) e Geovani Martins (RJ)
Mesa 9 (17h): E se eu fosse, com Amara Moira (SP) e Ricardo Lísias (SP)
Mesa 10 (19h): Do mal que tu me deste…, com Benjamin Labatut (Chile/EUA) e Luiz Mauricio Azevedo (PR/RS)
Mesa 11 (20h30): Livre e infinito, mesa com Artista em Destaque: Claudia Andujar, com Nay Jinknss (PA)

Sábado, dia 26

Mesa 12 (10h30): Mesa Zé Kleber (voltada à cultura e a questões sociais de Paraty)
Mesa 13 (12h): A literatura em que habito, com Bessora (Bélgica, Gabão), Carol Bensimon (RS) e Prisca Agustoni (MG/Itália)
Mesa 14 (15h30): Diamante Rubro, com Annie Ernaux (França) e Veronica Stigger (RS)
Mesa 15 (17h): Desterrando o susto, com Nastassja Martin (França) e Tamara Klink (RJ)
Mesa 16 (19h): Entrar no bosque de luz, com Saidiya Hartman (EUA) e Rita Segato (Argentina/Brasil)
Mesa 17 (10h30): Encruzilhadas do Brasil, com Cidinha da Silva (BH) e Cristhiano Aguiar (PB)

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)