Literatura infantojuvenil,

A força do silêncio

Livro para crianças do músico norte-americano David Ouimet inspira adultos a discutir isolamento na pandemia de Covid-19

30mar2021

É o livro que Neil Gaiman disse que gostaria de ter lido quando criança. Eu fico em silêncio, primeira obra escrita e ilustrada por David Ouimet, músico que integrou as bandas Cop Shoot Cop, Motherhead Bug, Firewater e Sulfur, traz uma atmosfera fantástica e ilustrações sinistras. Lançada pela Companhia das Letrinhas e com tradução do escritor Miguel Del Castillo, a obra mostra uma menina superando a solidão por meio dos livros. Em conversa com a Quatro Cinco Um, ele fala sobre força interior, seus artistas preferidos e como seu livro está ajudando adultos a falarem das dificuldades do isolamento em meio à pandemia de Covid-19.

Veja também: Vídeo de David Ouimet convidando os leitores brasileiros a conhecer um pouco mais do livro.

De onde surgiu a inspiração para o livro?
Minha intenção ao criar Eu fico em silêncio foi fazer um livro para crianças que estão lutando contra uma dor emocional difícil; especificamente, de se sentir sozinho, a noção de não ser visto. Eu queria que uma criança pegasse esse livro e entendesse que não é incomum sentir-se diferente de todo mundo, e que o isolamento pode se tornar uma força e uma luz. Eu também queria oferecer um tipo diferente de esperança que geralmente é encontrado em livros infantis. Esperança e cura nunca são perfeitas, e não devemos oferecer às crianças a promessa de um mundo de infinitos arco-íris. Esse livro surgiu de um período muito difícil da minha vida, em que um jovem muito próximo de mim caiu em uma escuridão terrível. Foi por meio do poder dos livros e da criatividade que esse indivíduo foi capaz de ir para um lugar de força.

O livro fala sobre a necessidade de escuta, especialmente na relação com os pequenos. Você acha que crianças e jovens estão sendo mais ouvidos na sociedade? Quem deveríamos estar ouvindo, mas não estamos?
Eu acredito que as vozes das crianças estão sendo ouvidas de uma forma nunca vista, que emergiu uma geração jovem que protesta. Isso vai apenas pavimentar o caminho para outras gerações de vozes poderosas. Vários jovens inspiradores estão reconhecendo que podem ter um impacto real diante da complacência e da injustiça. Nos Estados Unidos existem tantos exemplos de quem devemos ouvir: Jaylen Arnold, que causou um enorme impacto na questão da prevenção do bullying; Jazz Jennings, que criou uma fundação que apoia jovens transexuais; e Jaslyn Charger, que defendeu com sucesso o acesso à saúde mental para jovens indígenas nos Estados Unidos. A paixão dessas vozes é inspiradora, porque elas estão forjando uma mudança verdadeira em nosso mundo.

O silêncio se torna uma arma potente para a personagem principal no final do livro. Qual você acha que é o principal poder do silêncio?
Há dor e poder na solidão, e ambos devem ser cuidados da mesma forma. Eu acredito que não podemos realmente nos conectar uns com os outros e com o mundo mais amplo até que consigamos nos conectar com nós mesmos, o que podemos fazer melhor nas qualidades reflexivas do silêncio.

É interessante ler seu livro em meio ao isolamento criado pela pandemia do Covid-19, em que nos sentimos mais sozinhos e isolados do mundo, além do clima de tristeza diante de tantas mortes. Você pensa sobre os diferentes sentidos que essa obra pode adquirir nesse contexto?
O livro foi publicado inicialmente no Reino Unido, cerca de quatro meses antes da pandemia. Um dos resultados mais inesperados com Eu fico em silêncio é seu uso na terapia de adultos, como um trampolim para discutir como lidar com sentimentos de isolamento. Tenho recebido um número crescente de cartas de adultos sobre como o livro os ajudou em um momento difícil. Sem dúvida coincide com este momento em que os problemas de saúde mental estão se tornando um problema global. As lutas sempre estarão aí, mas podemos nos tornar mais saudáveis ​​e resistentes para superá-las sem ficar presos na lama. Sinto uma enorme gratidão por essa mensagem contida no livro estar ressoando tanto em adultos quanto em crianças.

Você também é músico. Como foi a transição da música para o desenho e a ilustração?
Na verdade, não houve uma transição, já que faço música e arte desde criança. Minha formação musical, no entanto, foi essencial para a criação desse livro. Muito de sua construção foi baseada na teoria musical, não apenas de ritmo, mas os usos de harmonia, tom e dissonância são todos elementos essenciais para ser capaz de contar uma história com tanto espaço emocional interior.

É a primeira vez que você assina um livro como autor e ilustrador. Qual é a diferença entre ilustrar para outros escritores e para sua própria história?
Sempre acreditei que meu papel como ilustrador é criar luz para ver a história de modo mais claro, ou revelar algo que não está aparente no texto. O processo de ilustração é algo tão pessoal, e foi muito diferente, pois tive a liberdade de contar a história tanto através da linguagem visual quanto textual. A redação do texto veio muito rapidamente, creio que seja porque eu sabia exatamente o que queria dizer. Minha escrita vem rápido, mas sou muito meticuloso com o processo de edição, às vezes mudando uma palavra no último momento antes de ir para a impressão.


David Ouimet

Quais ilustradores e artistas inspiram o seu trabalho?
O artista e arquiteto italiano Piranesi foi uma grande influência nesse livro em particular. Ele criou uma série de gravuras de vastas prisões imaginárias e muitos dos espaços interiores em Eu fico em silêncio foram diretamente influenciados por esse trabalho. Em termos de influência mais ampla, Edward Gorey, Shaun Tan, Leonora Carrington e Francis Bacon vêm imediatamente à mente, mas estou sempre passando por fases com muitos artistas.

Você tem outros projetos em andamento?
Tenho. Meu próximo livro se chama I Get Loud, que acompanha I Go Quiet [título original de Eu fico em silêncio]. A história continua à medida em que a jovem desenvolve uma bela amizade e navega pela conexão humana enquanto enfrenta obstáculos que estão além de seu controle. Eu também ilustrei o novo livro e álbum do músico canadense John Southworth, com quem trabalhei no passado como ilustrador.

Neil Gaiman disse que gostaria de ter lido o seu livro na infância. Qual obra você gostaria de ter lido quando era criança?
A árvore vermelha, de Shaun Tan. A maneira como esse livro ilustrado mistura escuridão com esperança é inigualável, diferente de qualquer coisa que eu tenha experimentado. É um livro pelo qual o leitor nada, uma obra-prima da literatura infantil.

Como incentivar o hábito de leitura nas crianças?
Da mesma forma que um pai encorajaria a expansão da paleta de gostos, abrindo-se para tantas culturas e experiências diversas. Além disso, cultivar a ideia das bibliotecas como santuários de tranquilidade e um lugar para abraçar o poder dos livros. (Tradução de Renata Penzani)

Este texto foi realizado com apoio do Itaú Social.

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de ireito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).