Internet,

O novo Brasil e os haters

Economista conta como descobriu conhecidos e colegas de profissão entre os haters que a atacam na internet

28fev2019

Ah, o Brasil. Para quem mora fora como eu, muitas vezes bate uma saudade. Confesso, entretanto, que esse novo Brasil nascido das entranhas do bolsonarismo já não me é lá muito convidativo. Aliás, isso é um eufemismo. O Brasil nascido das entranhas do bolsonarismo é, como reza a saudação militar, uma selva repleta de gente que a cada dia surpreende… negativamente. De certa forma, isso não deveria me deixar espantada. Assídua leitora de Carlo Cipolla e profunda conhecedora das Leis fundamentais da estupidez humana, já deveria ter me acostumado com a ideia de que tudo pode sempre piorar. Mas, estupidez é uma coisa, selvageria, outra.

Como muitos que se expõem frequentemente nas redes, acumulo lista vasta de haters— aquele povo que habita as redes sociais com o objetivo quase único de atacar os outros que pensam de forma diferente deles. Na época de Dilma, em que eu atacava seu governo dia sim, outro também, me aborreci diversas vezes com os ditos haters. Contudo, jamais tive qualquer experiência semelhante à que passei recentemente com bolsonaristas ferrenhos, todos homens, todos empregados no mercado financeiro. 

Em tempos bicudos, em que todos tendem a querer interpretar o que leem ou escutam da forma errada, devo advertir: os homens de que falo estão muito longe de serem representativos dos homens que conheço — entre amigos, filhos, marido, familiares diversos e colegas profissionais. O fato é que os piores ataques, os mais selvagens, vieram todos deles, não delas. 

Não falo de ataques bobocas, de gente que resolveu me apelidar de “Monica de Boulos” porque defendi o voto em Ciro Gomes para evitar a polarização de 2018. Falo de ameaças de morte, de gente que insinua querer te estuprar, de gente que intimida dizendo em praça pública saber onde você mora. É daí para pior. A quantidade de obscenidades dirigidas a mim nos últimos dias porque não sou bolsonarista é não só de arrepiar pelo volume, mas pelo conteúdo.

As pessoas que agem dessa forma perderam qualquer noção mínima de decência e de convivência. Comportam-se nas redes como monstros sociopatas que se julgam acima de qualquer consequência. Alguns se escondem atrás de avatares e perfis falsos. Outros já estão tão desinibidos que não se dão ao trabalho sequer de fazer isso. Expõem suas fotos, seus nomes, seus empregadores. Por tabela, expõem suas famílias, sua reputação e muitas vezes a da instituição para a qual trabalham. Acham que são invencíveis. Não são.

Há muita gente nas redes que acaba por se sentir impotente diante de tamanha agressividade. Escrevo esse artigo para dar a essas pessoas — muitas delas jornalistas — alguma esperança. É possível ir atrás dessa gente. É possível se defender desmascarando-os em praça pública. A internet não é terra de ninguém — ao contrário, é a terra de todos. Todas as pessoas de verdade deixam rastros na internet, mesmo que queiram se esconder. Portanto, mesmo os mais covardes haters, aqueles que se escondem, podem ser descobertos com alguns cliques e uma certa inclinação para Sherlock Holmes. 

Acreditem: se vocês forem atacados com a sanha com que eu fui, a mais provável reação será a indignação e a raiva, não o medo. É com isso que essa gente não conta: com a sua falta de medo. Tampouco contam com o fato de que o mundo, as pessoas são muito mais conectadas do que parecem. Um dos meus algozes dessa semana estudou com gente muito próxima a mim. Outro era conhecido de um punhado de conhecidos meus. Chegar neles foi fácil. 

Tendo neles chegado, os expus. Expus seus tuítes abjetos, expus suas identidades, expus sua covardia. Sim, covardia, pois uma vez expostos, sumiram feito baratas – aquelas pequeninas que entram pelas frestas mais estreitas. Fecharam suas contas no Twitter, apagaram perfis no Facebook. Ainda é cedo para afirmar que alcancei alguma pequena vitória, mas o que posso dizer é que não me sinto impotente no novo Brasil.

Não gosto do novo Brasil. Perdeu a graça, a leveza, o humor moleque. O novo Brasil brada “Selva!” e faz chacota de quem não sabe o que isso significa. O novo Brasil quer filmar crianças, enquadrar as mulheres, LGBTQs, pessoas de todas as cores como se o Brasil fosse branco feito parede nua. O novo Brasil exorta ditadores sanguinários.

Entre a selva e os haters, a desesperança e as vergonhas reveladas a cada dia, contentemo-nos com a nossa capacidade de reagir. Em época de saudações militares, fico com a dos fuzileiros navais: Adsumus! Haters, abram o olho. Estamos presentes. 

Quem escreveu esse texto

Monica Baumgarten de Bolle

É autora de Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma (Intrínseca).