Literatura,

Os livros que inspiraram a campeã do Carnaval 2020

Conheça 6 obras por trás do desfile da Viradouro, que contou a história das Ganhadeiras de Itapuã

27fev2020

Descrevendo a valentia e a bravura das Ganhadeiras de Itapuã — mulheres que no século 19 faziam serviços como lavar roupas na Lagoa do Abaeté para, com o ganho (daí o nome “ganhadeiras”), comprar suas alforrias e as de outras mulheres —, a Unidos do Viradouro se sagrou campeã do Carnaval do Rio em 2020. Hoje em sua quinta geração, as Ganhadeiras formam um grupo musical que exalta, em cantos, danças e crenças, a cultura popular baiana e o poder feminino. "Levanta, preta, que o Sol tá na janela/ Leva a gamela pro xaréu do pescador/ A alforria se conquista com o ganho/ E o balaio é do tamanho do suor do seu amor", diz um trecho do samba de enredo.

Segundo o texto de justificativa de escolha do enredo apresentado pela escola à LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), essas mulheres são “pastoras de histórias, coristas da dignidade feminina, matriarcas da liberdade baiana negra ou cafuza” e “espelho para outros grupos de mulheres que entoam vozes a fim de garantir a vida de seus familiares, pelos rincões do nosso Brasil”.

Com o enredo Viradouro de alma lavada, dos carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon, a agremiação de Niterói conquistou neste ano seu segundo título na Sapucaí. O primeiro, com o enredo Trevas! Luz! A Explosão do Universo, veio em 1997, ao apresentar um desfile de bases científicas sobre o surgimento do universo idealizado pelo lendário carnavalesco Joãosinho Trinta.

Confira a seguir seis livros que, de acordo com a escola de samba, inspiraram o desfile campeão.

A voz de Itapuã
Tânia Risério d’Almeida Gandon
EDUFBA, 498 pp., R$ 60

Fruto de uma tese defendida em 1993, o livro lançado em 2018 tem como base um projeto de pesquisa e ação social fundamentado na escuta e no registro de relatos sobre o bairros de Itapuã em entrevistas com seus antigos habitantes. A pesquisa articula as narrativas de cada entrevistado com o discurso identitário baseado na memória compartilhada pelo grupo, introduzindo  o indivíduo na história social da qual participa.

Carybé, Verger & Jorge – Obás da Bahia
Bruno Bettelheim
Fundação Pierre Verger, 192 pp., R$ 90

Costurado por trechos do escritor Jorge Amado, o livro apresenta imagens e desenhos do fotógrafo e etnólogo franco-brasileiro Pierre Verger e do artista visual brasileiro de origem argentina Carybé que abordam o candomblé e a crença nos Orixás.

Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis
Jarid Arraes
Ilustrações de Gabriela Pires
Paz e Terra, 176 pp., R$ 35

Com a linguagem poética tipicamente brasileira da literatura de cordel, Jarid Arraes conta a história de Antonieta de Barros, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Eva Maria do Bonsucesso, Laudelina de Campos, Luísa Mahin, Maria Felipa, Maria Firmina dos Reis, Mariana Crioula, Na Agontimé, Tereza de Benguela, Tia Ciata e Zacimba Gaba.

O negro no Brasil
Júlio José Chiavenato
Ed. Cortez, 52 pp., R$ 52

Clássico e atual, o livro de Júlio José Chiavenato apresenta uma rica bibliografia com estilo jornalístico sobre a história da escravidão, das lutas, da discriminação e da violência perpetrada tanto pelos agentes do Estado quanto por várias comunidades contra os negros escravizados e seus descendentes — uma história que todo brasileiro deveria conhecer bem.

Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835
João José Reis
Companhia das Letras

A imbricação entre religião e identidade étnica é o argumento central do livro de João José Reis, que, publicado originalmente em 1986, tornou-se um clássico sobre os estudos da história dos negros no Brasil. A obra aborda a história da revolta dos negros muçulmanos que, na Bahia do século 19, pretendiam abolir a escravidão africana.

Sonoros ofícios: cantos de trabalho — circuito 2015/2016
Diversos autores
Edições Sesc, 80 pp., preço sob consulta

Trata-se do catálogo do projeto Sonora Brasil, o maior projeto de circulação musical do país, com apresentações essencialmente acústicas, valorizando a qualidade sonora das obras e de seus intérpretes. A 18ª edição apresenta os temas "Sonoros ofícios — cantos de trabalho" e "Violas brasileiras", explorados com profundidade em artigos, letras e imagens ao longo de oitenta páginas.

Paulo Freire e a campeã paulistana

Em tempos de obscurantismo, a Águia de Ouro levou ao sambódromo do Anhembi uma homenagem ao conhecimento, aclamando o educador pernambucano Pauo Freire, e assim conquistou seu primeiro título de campeã. Com o enredo "O poder do saber — se saber é poder, quem sabe faz a hora, não espera acontecer" e sob a batuta do carnavalesco Sidnei França, a agremiação do bairro da Pompeia exaltou os livros e o poder emancipador de uma educação lapidada com amor. Estampado em um livro à frente de um dos carros alegóricos, lia-se: "Não se pode falar de educação sem amor. Viva Paulo Freire!".

Paulo Freire foi capa da edição #25, de agosto de 2019, da Quatro Cinco Um. Leia aqui uma resenha de duas biografias sobre o educador que se tornou pivô da guerra política e cultural brasileira na era bolsonarista.

Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).