Arte e fotografia,

A mais literária das fotógrafas brasileiras

Na Flip, Maureen Bisilliat relembra encontros com Jorge Amado, Guimarães Rosa e Ariano Suassuna

11jul2019

“A mais literária das fotógrafas brasileiras.” Foi assim que Maureen Bisilliat, 88, foi apresentada ao público da Flip pela editora e crítica literária Rita Palmeira, que, ao lado do escritor Miguel Del Castillo, mediou a conversa desta quinta-feira à noite em Paraty. Inglesa naturalizada brasileira, Bisilliat trabalhou como fotojornalista para as revistas Quatro Rodas e a extinta Realidade, e se destacou ao se debruçar sobre a imagética do sertão. 

Sua relação com a literatura se dá sobretudo nos livros de fotografia que fez inspirados na obra dos grandes escritores brasileiros João Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Adélia Prado e o homenageado da Flip neste ano, Euclides da Cunha.

“Meu pai era diplomata e, desde cedo, eu viajava de um país a outro. Cada vez eu tinha que pertencer a diversas realidades. Tinha essa característica camaleônica”, contou Bisilliat. “Eu tinha muitas raízes. Fui ficando meio adaptável. Os escritores brasileiros de raiz foram parte daquilo que me deu estabilidade”, disse ela, que em seguida relembrou encontros com alguns deles.

“A primeira vez que encontrei Jorge Amado foi na época de ouro de Salvador, nos anos 50, quando era o ponto cultural do Brasil. A Bahia é covardia para quem gosta de fotografar. Jorge Amado era a Bahia, a Bahia era Jorge Amado”, contou. O encontro com Guimarães Rosa aconteceu depois de que leu Grande sertão: veredas e ligou para o Itamaraty pedindo uma entrevista a ele — que, na época, era chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras. 

“Naqueles dias, não tinha esse negócio de mito”, disse, numa bem-humorada indireta ao atual presidente Jair Bolsonaro. “As pessoas eram admiráveis. Você tinha mais proximidade com elas, curiosamente, tinha mais liberdade. Então ele me recebeu. E me disse: eu acho que você vai compreender os Gerais por ter sangue irlandês, porque ambas as populações têm uma maneira de falar poeticamente”.

Com Ariano Suassuna, encantou-se ao ler Romance d’A pedra do reino. “Tinha momentos em que eu ria muito. É uma obra muito poderosa.” Anos depois, procurou-o para que ele escrevesse uma introdução para um livro de fotos que fez do Ceará. “Pedi umas vinte páginas. Dois ou três meses depois, ele disse: ‘Tive um problema. Em vez de escrever uma introdução, escrevi um livro. Ele me mandou um manuscrito de 250 páginas!”.

Foi então que Bisilliat pensou em recorrer a trechos da obra-prima euclidiana, Os Sertões — embora não tenha conhecido Euclides da Cunha, morto em 1909 —, para o livro que viria a se chamar Sertão, Luz e Trevas, lançado originalmente em 1982 e agora reeditado pelo IMS. Trata-se do livro favorito da fotógrafa, que o considera o mais atual, forte e bem acabado de sua carreira. Bisilliat não incluiu nele o texto inédito que ganhou de Suassuna, mas dedicou a ele a bela dedicatória: “A Ariano Suassuna, terceira ponta do triângulo literário, místico, telúrico, mítico e sertanejo – Euclides, Guimarães, Suassuna”.

Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).