A Feira do Livro,

Para alavancar a literatura nas salas de aula, é preciso construir diálogos entre professores e alunos, dizem especialistas em alfabetização

Silvia Colello, Priscila de Giovani e Patricia Auerbach falam que é preciso ouvir as crianças e os educadores para que a literatura entre em suas vidas

10jun2023 | Edição #70

No sábado, o Auditório Armando Nogueira foi palco para uma conversa sobre a ampliação das ligações entre literatura e alfabetização. A mediação ficou por conta da fonoaudióloga Dianne Cristina Rodrigues de Melo, que conversou com a autora e ilustradora Patricia Auerbach, a pedagoga Priscila de Giovani e a professora de pedagogia da USP, Silvia Gasparian Colello.

Segundo dados da avaliação global PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study, da sigla em inglês), divulgados na segunda quinzena de maio, o Brasil figura na 52º posição entre 57 países elencados pelo ranking que avaliou a capacidade de alunos do 4º ano do ensino fundamental nas categorias de leitura e compreensão de textos. Segundo Silvia, o buraco é imenso — embora acredite que esses números dizem muito pouco se não pudermos entender o que significam e por que persistem.


A professora Silvia Gasparian Colello [Divulgação]

“Minha preocupação quando pesquiso esses dados é entender o que é alfabetização, partindo do ponto de vista das próprias crianças. Quando questionadas, algumas me responderam que alfabetização era juntar as letras e aprender a ler e escrever com letra de mão, para serem ‘alguém’ na vida, terem um futuro melhor e, assim, não serem ‘burras’”, conta a professora. “Essas falas são reducionistas e discriminatórias, mas provavelmente partem de uma reprodução da fala de outras pessoas. Uma outra criança me disse que ‘o dia que eu aprender a ler e escrever vou poder escrever minhas próprias histórias, poder ler para a minha mãe e poder ler as histórias que eu quiser’. É isso que a literatura alavanca, mas infelizmente essa criança é uma exceção. Ainda assim, eu quis entender: de onde vêm as outras ideias, que são discriminatórias e reducionistas?”.

Segundo Silvia, uma das possibilidades para entender está na escuta: tanto em escutar as crianças quanto em escutar os professores e educadores sobre os caminhos possíveis para a leitura e a literatura adentrarem o cotidiano escolar. Patricia acredita que as respostas das crianças também podem ser “nubladas” porque é preciso pensar na lógica de “quem tem mais tempo à mesa”, pensado por Catherine Snow, especialista em alfabetização infantil em Harvard. O significado dessa lógica é o de que as crianças conseguem desenvolver com muito mais facilidade a sua própria comunicação quando podem, nos momentos de refeição, exercitar a conversação com os pais e parentes.


A autora e ilustradora Patricia Auerbach [Divulgação]

“O educador tem de dar conta de vários pontos antes de efetivamente lecionar: precisa entender que nem todas as crianças têm um “tempo à mesa” para conversar com a própria família, muito porque as realidades são diferentes e, às vezes, ter os pais na mesa é um privilégio. Nem todos têm o tempo ou o espaço necessário para isso”, diz Patricia. 

Lugares de escuta diversos

Com a missão de contribuir com o desenvolvimento democrático da cultura escrita no Brasil e superar as fragmentações das políticas públicas de fomento à leitura no país, Priscila trouxe exemplos de atividades em sala de aula que aproximam professores e crianças da literatura. Segundo dados recolhidos em escolas, as mediações de leitura, leituras simultâneas, escrita de resenhas e indicações a partir do uso da biblioteca em sala de aula foram umas das estratégias mais bem sucedidas.

“Viemos de uma realidade reducionista sobre a leitura, então é preciso tornar a leitura interessante para os pequenos. Formar leitores é formar cidadãos independentes, livres e posicionados para que instiguem, debatam, questionem e se coloquem em assuntos”, diz a pedagoga.


A pedagoga Priscila de Giovani [Divulgação]

Nos últimos anos, pedagogos e especialistas em educação infantil descrevem a leitura em voz alta como sendo uma potencializadora da alfabetização — e não só para a alfabetização de crianças, mas para a de adultos também. “É preciso ler para professores e educadores, para que eles possam ler para os alunos; é preciso que sejam ouvidos para poder oferecer um lugar de escuta e de diálogo em sala de aula. E também devem ser encantados pela literatura para poderem encantar as crianças”, afirma Patricia.

Para Silvia, a leitura nas escolas tem de estar próxima à sua raiz em latim: “Em latim, ‘ler’ é legere — significa colher, escolher, pegar ou escolher letras e palavras para formar uma ideia. É essa a função que a educação por meio da literatura deve assumir: a de colher os melhores frutos que puder”.

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Jaqueline Silva

É estudante de Jornalismo na ECA-USP e estagiária editorial na Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.