A Feira do Livro,

Aula-show destrincha a batida de João Gilberto

Arthur Nestrovski e Celsim explicam, tocam e cantam João Gilberto n’A Feira do Livro

10jun2023 | Edição #70

“Chega de saudade/ a realidade é que/ sem ela não há paz”… canta Celsim, enquanto Arthur Nestrovski dedilha o violão, testando o som do Palco da Praça no segundo Interlúdio Musical d’A Feira do Livro. São 13 horas, e a mesa Só João está marcada para as 13h30, mas um palco (e uma feira) totalmente abertos são isso: o público já ocupa as cadeiras da plateia e começa a curtir o show já na passagem de som.

Aula-show, no caso. Na mesa, Nestrovski, compositor, curador e pesquisador, anuncia que vai falar sobre o canto, o violão e o projeto de canção de João Gilberto, tudo devidamente exemplificado na voz do compositor e cantor Celsim, que interpretará clássicos do repertório de João acompanhado por Nestrovski ao violão.


O compositor e cantor Celsim [Sean Vadaru/Divulgação]

“Bom dia. Hoje é 10 de junho, 92 anos do nascimento de João Gilberto”, saúda Celsim. O show vai começar. A aula também: Nestrovski começa explicando o que João Gilberto inaugurou na MPB. “A gente esquece como [a interpretação de João] era radical quando apareceu porque já estamos acostumados. Mas, na época, as pessoas ficaram chocadas, era diferente de tudo que já havia sido feito”, disse Nestrovski. Para ele, João Gilberto e Tom Jobim criaram uma nova ideia de cultura brasileira e de país.

“Isto é Bossa Nova, isto é muito natural”, cantam e tocam Nestrovski e Celsim para um público que acompanha baixinho um dos clássicos que mudaram a música brasileira. “Ele envenenou o samba tradicional. A piada verdadeira é que, para cantar ‘Desafinado’, a pessoa tem que ser afinadíssima, ter a precisão de João”, afirma Nestrovski.

Ele também comenta a dicção do cantor baiano, com sua tentativa de trazer a língua falada para a canção e extrair dela a melodia, “como se a fala subisse um degrau e virasse música”. E, com Celsim, foi apresentado o belo exemplo de “Retrato em branco e preto” (de Tom Jobim e Chico Buarque) na batida de João.


O compositor Arthur Nestrovski [Sean Vadaru/Divulgação]

“A gente não está tentando imitar João. É impossível, só teve e só terá um João”, diz Nestrovski. As partes musicais da aula-show funcionam como uma “ilustração” para as reflexões sobre João Gilberto, mas também valem, por si só, por um show.

Enquanto histórias e reflexões sobre o vanguardismo do cantor são apresentadas, o público se delicia com músicas como “Pra que discutir com madame”, “Doralice”, “Rei sem coroa” e a italiana “Estate”.
Para encerrar a mesa-show, são apresentadas duas canções já interpretadas por João que, segundo Nestrovski, são fundamentais para a história de São Paulo: “Ronda”, de Paulo Vanzolini, e “Sampa”, de Caetano Veloso. “Vamos cantá-las aqui como uma espécie de homenagem à cidade e à Feira do Livro.”.

Homenagem a Rita Lee

No domingo, 11, último dia d’A Feira, o Interlúdio Musical das 13h30, A tua mais completa tradução, será uma homenagem a Rita Lee com a participação das cantoras Paula Lima, Tiê e Tulipa Ruiz, com curadoria e mediação da jornalista Roberta Martinelli.

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.