Literatura infantojuvenil, Meio ambiente,

A floresta em perigo

Livro ilustrado de escritora manauara trata das queimadas que atingiram a floresta amazônica em 2019

23jul2021

A devastação da floresta amazônica e de vários outros ecossistemas brasileiros continua a quebrar recordes desde o início do atual governo do presidente Jair Bolsonaro. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Avançadas (Inpe), em abril deste ano mais de 580 quilômetros quadrados da floresta foram desmatados – um aumento de quase 43% em relação a abril de 2020. O número de focos de incêndio na floresta amazônica e no cerrado já ultrapassou o do ano passado, quando havia sido registrado o maior recorde de queimadas em uma década.

O aumento das queimadas chamou a atenção a partir de 2019, e fez com que a escritora Irena Freitas, nascida em Manaus (AM), quisesse escrever um livro sobre a importância da preservação do meio ambiente, tendo também a capital amazonense como inspiração. A floresta, lançado pela Companhia das Letrinhas, traz como protagonista uma menina da cidade que testemunha as queimadas na floresta amazônica pela televisão e tenta fazer alguma coisa para evitar a destruição da mata. À Quatro Cinco Um, Freitas contou como Manaus é uma fonte de inspiração para seus livros e o desafio de criar uma história só feita com imagens.


Ilustrações de Irena Freitas
 

Você comenta ao final do livro que sua vontade de criá-lo surgiu a partir da cidade de Manaus e das queimadas em 2019. Como tratou de articular essas duas inspirações?
Como eu moro na cidade não fui afetada diferente pelas queimadas (fora a poluição que elas trouxeram), mas lembro que fiquei muito impressionada e sensibilizada lendo as notícias e vendo o impacto que elas trariam para o país inteiro. Foi um assunto que ficou na minha mente, acabou escapando para o papel e virou desenho e, a partir disso, surgiu a ideia do livro.
 
O livro é só feito de imagens. Como foi o processo para criar a história?
Na época que ocorreram as queimadas aqui eu fiz uns rascunhos baseados nas notícias que vi nos jornais. Na época não fiz nada com eles, mas gostei tanto de alguns dos desenhos que comecei a pensar em como criar uma narrativa a partir deles. A ideia era ter texto acompanhando essas imagens, mas achei que ficava um pouco redundante. Depois que apresentei para a editora o livro ainda teve algumas mudanças, mas foi um raro caso de um livro que surgiu muito claro na minha imaginação logo nas primeiras imagens.


Ilustrações de Irena Freitas

 

 
No livro, a protagonista, que vive em um contexto urbano, é levada de um modo meio mágico até a floresta e resgata uma muda de árvore, e cresce uma floresta dentro da própria casa. Qual a ideia que quis passar com esse final?
A minha ideia era manter uma narrativa em aberto: será que a menina foi mesmo até a floresta? Ou será que o que a gente vê é apenas a imaginação e consciência ecológica despertando? Como é um livro sem texto queria dar espaço ao leitor a fazer sua própria interpretação e a pensar um pouco mais no tema central do livro: a natureza. 
Eu cresci em Manaus, uma cidade que é muito próxima à natureza. Quando era criança confesso que não refletia muito sobre o assunto, achava que todo mundo tinha esse mesmo acesso à natureza, só foi mais velha que percebi o quanto era privilegiada nesse aspecto. 

A sua casa também é cheia de plantas?
Sim! Além da minha casa, quando eu era criança meu avô morava num sítio a 15 quilômetros da cidade. Eu e minha família o visitávamos todo final de semana, ajudávamos na horta e a colher frutas. Até hoje, a área tem grande parte da floresta original e sempre vemos muito animais silvestres. Meu avô faleceu há alguns anos, mas ainda preservamos a área.
 
O que a literatura pode fazer para ajudar a preservar o meio ambiente?
Acho que o principal é aproximar jovens leitores a um tema tão abstrato e que nem sempre parece tão fácil ou interessante abordar com crianças, além de mostrar outras realidades do Brasil para elas. Hoje o acesso é mais fácil, mas lembro que quando criança visitava meus primos que moravam no Sudeste e eles não faziam ideia de como era a vida aqui em Manaus. Mostrar a realidade de cidades amazônicas também é importante nesse sentido.

 

Ilustrações de Irena Freitas

 
Em obras que tratam da preservação do meio ambiente, em geral as comunidades humanas que vivem e ajudam a preservar a floresta são invisibilizadas. Foi uma escolha não mostrar essas populações no livro?
No caso de A floresta eu queria que fosse a história de apenas uma personagem que vê sua realidade transformada, então além dos animais não queria trazer outros personagens. Mas acho que o mais importante quando se escreve sobre essas populações é buscar conhecer essas pessoas de verdade, não só em ideia. Os meus livros, tanto A floresta quanto Manaus [lançado em 2019 pelas Edições Barbatana], partem de observações pessoais da minha vida aqui na cidade, mas também surgem de histórias que escuto de amigos e familiares aqui da região.
 
Quais livros você gostaria de ter lido na infância?
Eu não tinha muitos livros ilustrados quando eu era pequena. O acesso à literatura até hoje é muito complicado aqui na região. A cidade tem 2 milhões de habitantes e apenas meia dúzia de livrarias. A internet facilita muito o acesso, mas ainda assim acho que o que eu mais queria quando mais nova era ter acesso a mais livros em geral. Mas O livro dos quintais, da Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho [Planeta Tangerina, 2010], é um livro que a minha versão criança seria obcecada por todos os detalhes nas ilustrações coloridas.
 
Como incentivar o hábito de leitura entre as crianças?
Acho que mais importante que comprar livros para uma criança é sentar e ler com ela. Não é uma tarefa fácil, requer muita paciência, mas a única forma de formar novos leitores é dedicar nosso tempo a esta função.

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de ireito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).