Vinte Mil Léguas,

Os marcianos saíram do cilindro, pt.I

Após descobrir que as espécies mudavam, Darwin define os fatores que determinavam sua evolução

12out2020

O novo episódio do Vinte Mil Léguas já está no ar! Ouça agora “Os marcianos saíram do cilindro, pt. I”. O Vinte Mil Léguas é realizado pela Quatro Cinco Um em parceria com a Livraria Megafauna e com o apoio do Instituto Serrapilheira.

Descobrir que cada espécie tem uma variação infinita entre seus indivíduos foi um importante passo que Darwin deu para moldar sua teoria da seleção natural. O que falta depois é mergulhar mais na questão de como, afinal, se dá essa “seleção”. E isso tem a ver não só com os indivíduos de cada espécie, mas com as populações e sua adaptação ao meio em que estão inseridas. Na teoria de Darwin, além da variabilidade, os outros fatores definidores são a competição e a morte. E isso nos dá um bocado de ansiedade e medo. Sobre o medo como um novo marcador cultural e seus desdobramentos: é isso que ouviremos neste episódio do Vinte Mil Léguas
 

Ilustração: Deborah Salles

Aspas

“Que carnificina incessante existe na imagem maravilhosamente calma das florestas tropicais…”
Charles Darwin, em suas anotações

Pessoas

Thomas Malthus

A partir dos 13’30’’, ouvimos no episódio sobre o clérigo e economista Thomas Robert Malthus. A teoria de Malthus de que o ritmo de crescimento de populações é maior do que o crescimento dos recursos disponíveis para elas influenciou Darwin em sua ideia da competição entre indivíduos e a sobrevivência dos mais bem adaptados. Como ouvimos no episódio, não faltaram críticas ao pensamento de Malthus, desde Karl Marx, que chamou a obra de Malthus de “nefasta”, até o inglês G. K. Chesterton, que dizia haver algo de “anti-humano” na teoria malthusiana. Entre críticos e seguidores, ele foi tremendamente influente, como o episódio conta. Para uma atualização da teoria de Malthus à luz do século 21, recomendamos este texto do ambientalista George Monbiot traduzido no portal Outras Palavras.


Thomas Malthus, em retrato de John Linnell, de 1834. [Crédito: Wellcome Collection]

A massa trabalhadora

A mudança da Inglaterra de uma sociedade rural para uma sociedade industrial, sendo ela o primeiro país europeu a se industrializar, mudou a cara das cidades. Ouvimos no começo do episódio sobre a massa de trabalhadores explorados e sem direitos, que tentava protestar inclusive quebrando máquinas, às quais atribuíam a culpa pelas condições desumanas a que estavam submetidos. O aumento da população urbana fez surgir outros tipos de ocupação, como os “coastermongers”, vendedores de rua que, na Inglaterra vitoriana, eram abundantes e vendiam todo tipo de artigo alimentar. Sobre estes feirantes ingleses e a evolução da cultura alimentar no país do século 19 até hoje, mudanças diretamente influenciadas por avanços tecnológicos e fluxos migratórios, é possível ler mais neste artigo, em inglês. Sobre a nova ordem urbana e industrial que se estabeleceu desde então e que cada vez mais dá sinais de ser insustentável, recomendamos dois artigos de economistas brasileiros publicados na Quatro Cinco Um. O primeiro, de Ricardo Abramovay, fala sobre riqueza e desigualdade baseando-se em três livros, e o segundo, de Luiz Carlos Bresser-Pereira, trata da crise da democracia liberal.


O trabalho na indústria do algodão, litografia colorida creditada a Barfoot. Crédito: Wellcome Collection

Poetas românticos contra Malthus

No microepisódio bônus #3, conheça dois jovens poetas que gostavam de fazer piqueniques e dançar em volta de fogueiras, que acreditavam nos direitos dos homens, das mulheres e dos animais (com direito a alguns versinhos compostos em homenagem a um burrico!) e que contestaram, desde o princípio, a teoria malthusiana da disputa feroz por recursos e da necessidade de tomar ação contra a reprodução humana.

Ideias & invenções

O tempo padronizado

Já falamos nessa newsletter sobre os relógios do inglês John Harrison, que permitiram que marinheiros determinassem a longitude em alto-mar, garantindo uma navegação segura e a criação de novas rotas de comércio. A descoberta também permitiu a padronização dos fusos horários pelo mundo, de forma que, pela primeira vez, as horas passaram a ser determinadas conforme um acordo internacional. Antes do cronômetro, a longitude era um grande mistério e todo tipo de solução e ideias malucas foram propostos para resolvê-lo. Entre as mais curiosas, como conta Dava Sobel em Longitude (Companhia das Letras), estava o “pó da simpatia”. Esse pó teria propriedades mágicas que garantiriam curas a distância, já que bastava aplicá-lo a um pertence de uma pessoa doente ou machucada para ela sentir seus efeitos. Como isso tem a ver com o mistério da longitude? Usando o pó mágico, bastaria levar a bordo um cão machucado e contar com um ajudante em terra. O ajudante, ao meio-dia em ponto em Londres, mergulharia a bandagem do cachorro machucado na solução mágica. Dessa forma, quando o cão gritasse a bordo, isso significaria que era meio-dia em Londres. A partir daí, bastaria o capitão comparar a hora de Londres com a hora a bordo para descobrir a longitude. Simples, não? Ainda bem que John Harrison e seus maravilhosos cronômetros, o H1 e o H4, resolveram a questão.


Diagrama para observar a longitude, por J. Emslie em 1851. Antes da invenção do cronômetro de John Harrison, a observação dos astros era um dos métodos de tentar determinar a localização em alto-mar. Crédito: Wellcome Collection

Economia da natureza

Darwin chamou de “economia da natureza” a relação entre o equilíbrio ou desequilíbrio de espécies e populações em um meio, pensando na distribuição de recursos limitados entre um grande número de seres vivos dependentes desses recursos. Atribuir a sobrevivência a uma questão simples de adaptação não era uma afirmação fácil de se fazer pois, extrapolando-a, chega-se à conclusão de que a natureza não tem moral, é simplesmente baseada em competição e força. Esse contraponto entre o caminho da natureza e alguma espécie de moral superior ainda gera muita discussão. O escritor Liev Tolstói era um dos que sentia que a visão darwiniana havia parido um mundo sem explicação, sentido ou importância, como registrou em carta a seus filhos. Mas houve quem enxergasse uma outra via, a da cooperação e da ajuda mútua. O anarquista russo Piotr Kropótkin pensou isso na obra A ajuda mútua, às vezes traduzida como Mutualismo. Para ele, a disputa pela existência na evolução levaria também a formas de ajuda mútua, e não só a um combate puro e simples. A organização, portanto, seria tão importante quanto o conflito, uma vez que, além de competirem entre si, as espécies também precisam dar um jeito de sobreviver em circunstâncias e meios adversos. O mutualismo seria também um caminho apropriado à evolução. Isso era uma resposta direta ao reacionarismo de Malthus e dizia respeito também à enorme influência do pensamento de Darwin na intelectualidade russa. Mais sobre isso neste artigo de Stephen Jay Gould, em inglês.

Uma sucessão de trabalhos de parto…

Para além da visão trágica de Thomas Malthus sobre a alta taxa de natalidade na Inglaterra, ouvimos também no episódio uma citação de Virginia Woolf, extraída do romance Orlando. Na frase, a autora diz que a vida das mulheres na Inglaterra vitoriana era uma sucessão de trabalhos de parto: “Foi assim que o Império Britânico se fez”. Se pegarmos relatos da primeira imperatriz do Brasil, Leopoldina da Áustria, descobrimos que a vida por aqui não era muito diferente. Leia mais neste texto da historiadora Mary del Priore.

Eventos

Outros fins do mundo

O trecho de Charles Lyell, lido aos 38’45’’, diz que as espécies não podem ser imortais, e devem necessariamente perecer, uma após a outra. Cada população tem, portanto, seu fim de mundo particular. O medo do fim sempre esteve presente nas sociedades humanas e, para algumas, o apocalipse já aconteceu. Os indígenas e outras populações nativas das Américas, por exemplo, enfrentam seu fim do mundo há séculos, desde a invasão europeia por essas terras. O que a ideia da “luta pela sobrevivência” de Darwin faz ver é que as populações de espécies estão intimamente ligadas aos meios em que vivem. Um grande pensador atual da antropologia e da crise pela qual passamos é Ailton Krenak, que, além de filósofo, é ativista da causa indígena. Como tentar salvar o mundo frente à certeza de uma inevitável extinção? Leia sobre isso em duas resenhas recentes de obras de Krenak na Quatro Cinco Um: Ideias para adiar o fim do mundo e A vida não é útil.

Referências do episódio

  • Bee Wilson, “Mmmm, chicken nuggets”, em London Review of Books
  • G. K. Chesterton, The Victorian Age in Literature.
  • Dava Sobel, Longitude. Companhia das Letras.
  • David Quammen, As dúvidas do sr. Darwin. Companhia das Letras.
  • Michael Ruse, The Darwinian Revolution: science red in tooth and claw. Cambridge University Press. 
  • Samuel Taylor Coleridge, “To a young ass”, em Complete poems.
  • Samuel Taylor Coleridge e William Wordsworth, Lyrical Ballads.
  • William Wordsworth, The Prelude.

Vinte Mil Léguas recomenda

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Criação do podcast e edição dos roteiros: Fernanda Diamant
Pesquisa, roteiros e apresentação: Leda Cartum e Sofia Nestrovski
Edição e finalização de som: Nicholas Rabinovitch
Trilha sonora e execução da trilha: Fred Ferreira
Projeto gráfico e ilustrações: Deborah Salles
Produção executiva: Mariana Shiraiwa
Edição das newsletters: Gabriel Joppert
Revisão técnica: Reinaldo José Lopes