Vinte Mil Léguas,

Cambaxirras, bicudos, papa-figos e tentilhões, pt.I + Microepisódio #2

Ao voltar para casa carregado de novas espécimes e com a cabeça fervendo, Darwin começa a esboçar sua biologia evolutiva

28set2020

O novo episódio do Vinte Mil Léguas já está no ar! Ouça agora “Cambaxirras, bicudos, papa-figos e tentilhões, pt.I”. Nesta semana, junto do episódio, mais um microepisódio bônus está disponível. O Vinte Mil Léguas é realizado pela Quatro Cinco Um em parceria com a Livraria Megafauna e com o apoio do Instituto Serrapilheira.

De volta à Inglaterra, Darwin tinha uma cabeça cheia de ideias e uma coleção cheia de espécimes, muitos dos quais ainda eram totalmente desconhecidos para os cientistas europeus; e começou a escrever muitos, mas muitos cadernos de anotações. Para poder fundamentar as suspeitas que ele já sentia brotando dentro de si, ele precisou de uma ajudinha de seus amigos – e até de seus próprios filhos. Mobilizando a comunidade científica, dedicando-se a um sem-número de experimentos, praticando diligentemente a sua escrita, Darwin foi construindo pouco a pouco a base de conhecimento que sustenta A origem das espécies.

Aspas

“O homem da ciência aprendeu a crer na justificação, não pela fé, mas pela verificação.”
Thomas Henry Huxley, “o buldogue de Darwin”, biólogo e antropólogo inglês

Pessoas

A comunidade científica

Mesmo estando longe de casa, no Beagle, as cartas e relatos de viagem de Darwin já circulavam no meio científico europeu. Na volta, por meio de seu mentor Charles Lyell, Darwin foi de fato introduzido à comunidade científica inglesa. A criação de uma rede em torno de sua pesquisa, mantida por extensa correspondência, era a única maneira de produzir o conhecimento necessário para transformar suas intuições em ciência. Ele repartiu sua coleção de espécimes entre especialistas variados para que fossem analisados. A coleção era composta de pedras, fósseis, animais dissecados, animais vivos, plantas, corais – um verdadeiro “crowdsourcing” científico. Richard Owen, famoso por cunhar a palavra “dinossauro”, recebeu fósseis de mamíferos, entre eles o crânio de um Toxodon, uma espécie de capivara gigante. A John Gould, ornitólogo, couberam as variadas espécies de aves trazidas por Darwin das ilhas Galápagos. Gould ajudou Darwin a solucionar o enigma dos tentilhões, que se tornariam símbolo da teoria da evolução.

Os filhos de Darwin

Ouvimos aos 27 minutos do episódio sobre os experimentos de Darwin e como seus filhos o ajudavam. Charles Darwin e Emma Wedgwood tiveram dez filhos, mas três faleceram ainda na infância. A primeira menina, Anne, faleceu vítima de tuberculose aos 10 anos, em 1851. Conta-se que a perda da filha abalou bastante a fé cristã de Darwin. Emma, sua esposa, manteve-se sempre devota. Quase todos os filhos tiveram grande distinção nos campos a que se dedicaram. William Erasmus, o primogênito, nasceu em 1839: seu pai coruja registrou em mínimos detalhes seus sete primeiros dias – espirros, soluços, bocejos, choro e alimentação. O resultado da observação atenta do início da vida do filho foi publicado no artigo “Rascunho biográfico da vida de uma criança”. Henrietta Emma Darwin viveu até os 84 anos e foi editora do pai e biógrafa da mãe. George Howard Darwin, astrônomo, desenvolveu a teoria da origem da Lua por fissão e deu grandes contribuições ao estudo da influência dos corpos celestes nas marés. Francis Darwin foi assistente do pai e depois pioneiro em estudos de fisiologia vegetal. Mais curiosidades sobre a prole Darwin estão neste post no blog da Oxford University Press.


Um cartão-postal comemorativo dos 200 anos do nascimento de Darwin, estampado com a tartaruga gigante (sobre a qual o jovem Darwin brincava de surfar) e um tentilhão (Geospiza scandens). Crédito: Wellcome Collection/Royal Mail Group, Edimburgo

 

Syms Covington

Pouco se sabe sobre o rapaz que foi servente pessoal de Darwin a bordo do Beagle, apesar de estar registrado em carta de Darwin à irmã que ele chegou ao barco como “assistente geral” e tocador de violino. Syms continuou servindo Darwin após a volta dos dois à Inglaterra. Ouça mais sobre a relação de Darwin e Syms Covington neste microepisódio especial.

 

Ideias & invenções

Os tentilhões de Galápagos

Os pássaros, protagonistas deste episódio, são dos bichos mais classicamente associados às descobertas de Darwin. Os tentilhões são do gênero Fringilla, família dos fringilídeos, a mesma dos canários e pintassilgos. Confira no site do Projeto Filos algumas espécies de tentilhões de Galápagos. Os tentilhões e suas variações seguem sendo estudados por cientistas interessados na evolução das espécies, que acabam de encontrar uma população que está à beira de gerar uma nova espécie, processo chamado de especiação.


A distribuição dos tentilhões em cada uma das ilhas Galápagos. Infográfico de Ana Bottallo, publicado originalmente no Projeto Filos.

 

Descrição + tempo = narrativa

A partir do momento em que o tempo entra na equação científica, ocorre uma mudança de gênero literário e de modelo de pensamento nas ciências: elas deixam de ser apenas descritivas e passam a ser mais narrativas, ou seja, passa a haver mais um elemento comum entre ciências e literatura. O campo fundado por Darwin é o da “biologia evolutiva”, uma biologia, portanto, qualificada por uma orientação temporal. O tempo faz muita diferença. Em um paralelo com uma ciência mais atual, a aprendizagem de máquinas e a inteligência artificial, a presença ou ausência do fator “tempo” é a diferença de um modelo que apenas descobre uma regra para um modelo que pode fazer previsões. Para os interessados no tema, recomendamos algumas resenhas de livros sobre inteligência artificial publicados pela Quatro Cinco Um: um romance de Ian McEwan, um olhar sobre a sociedade da vigilância, inovações na combinação de tecnologia e ciências humanas, e as aplicações de tecnologias preditivas na economia.


Folha de rosto da publicação com o relato de Darwin sobre a viagem a bordo do Beagle. [Créditos: Wellcome Collection]

“A vida tem que ir até ela de alguma forma…”

Como ouvimos a partir dos 25’40’’ do episódio, Darwin realizou uma série de experimentos para tentar demonstrar como a vida poderia chegar a uma região isolada como as ilhas Galápagos. Com muitas repetições e muita criatividade, além de uma ajudinha dos filhos, ele pôde verificar essas possibilidades. Vamos complicar a situação e trazê-la para o século 21: e se pensarmos na vida no Universo? Os primeiros seres vivos na Terra teriam surgido espontaneamente aqui mesmo ou teriam origem externa? É a essas perguntas que se dedica o campo da astrobiologia, a ciência que estuda a vida em um contexto cósmico, tanto na Terra quanto no espaço. Entre as muitas teorias sobre a origem da vida na Terra, nenhuma das quais ainda com status de consenso científico, está a ideia de que os primeiros organismos vivos do planeta poderiam ter sido trazidos do espaço pelo impacto de meteoritos ou asteroides. Nas últimas semanas, deu o que falar a descoberta do gás fosfina na atmosfera de Vênus, coisa que poderia ser sinal de organismos vivos no planeta.

Eventos

A publicação dos diários do Beagle

O diário e as notas de viagem de Darwin, transformados em um largo volume conhecido popularmente como A viagem do 'Beagle', foram publicados em 1839 e foram de grande interesse para especialistas e para o público em geral, consagrando Darwin como escritor e naturalista, como ouvimos nos 11’20’’. Ao final do volume, meditando sobre os pontos positivos e negativos de fazer uma viagem tão extensa e cansativa, Darwin recomenda aos jovens naturalistas que também, se puderem, saiam a viajar e conhecer o mundo. De um “ponto de vista moral”, ele considera ter aprendido uma “paciência bem-humorada, liberdade do egoísmo, o hábito de agir por iniciativa própria e enxergar o melhor de cada ocorrência”, características que ele diz serem próprias de todos os marinheiros.

Referências do episódio

  • Charles Darwin, Cadernos da transmutação.
  • Elizabeth Kolbert, A sexta extinção – uma história não natural. Intrínseca.
  • David Quammen, O canto do dodô. Companhia das Letras.
  • David Quammen, As dúvidas do Sr. Darwin. Companhia das Letras.
  • Stephen Jay Gould, Darwin e os grandes enigmas da vida. Martins Fontes.
  • Syms Covington, Diários.

 

Vinte Mil Léguas recomenda

O dossiê sobre Darwin da primeira edição da revista Darcy, da Universidade de Brasília. https://www.revistadarcy.unb.br/images/PDF/darcy01.pdf

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Criação do podcast e edição dos roteiros: Fernanda Diamant
Pesquisa, roteiros e apresentação: Leda Cartum e Sofia Nestrovski
Edição e finalização de som: Nicholas Rabinovitch
Trilha sonora e execução da trilha: Fred Ferreira
Projeto gráfico e ilustrações: Deborah Salles
Produção executiva: Mariana Shiraiwa
Edição das newsletters: Gabriel Joppert
Revisão técnica: Reinaldo José Lopes