Vinte Mil Léguas,

Cambaxirras, bicudos, papa-figos e tentilhões, pt. II

Neste episódio, Darwin descobre que as espécies não são fixas e seus indivíduos apresentam imensa variabilidade

30set2020

O novo episódio do Vinte Mil Léguas já está no ar! Ouça agora “Cambaxirras, bicudos, papa-figos e tentilhões, pt. II”.

Já faz algumas semanas e episódios que estamos investigando Darwin e suas teorias sobre as origens das espécies. Mas o que aconteceria se disséssemos que… não existem espécies? Em um mundo onde as formas vivas se transformam, a ideia de espécie é uma abstração. Cada organismo é único, assim como cada ser humano é único e assim como não existem duas folhas de grama idênticas em toda a natureza. Em seu longo processo de demonstrar e verificar suas intuições sobre a história da vida, com auxílio de uma rede de naturalistas amigos e apoiando-se em todo o conhecimento científico de sua época, Darwin foi lentamente trilhando seu caminho para a resolução do “mistério dos mistérios”.

Aspas

“…e os limites da variação são muito maiores do que se poderia imaginar a partir da mesmice dos penteados femininos ou das histórias de amor preferidas…”


George Eliot (pseudônimo de Mary Ann Evans), em Middlemarch

Pessoas

Maria Isabel Landim

A curadora do Museu de Zoologia da USP, bióloga, professora e autora é a entrevistada do episódio. Landim é uma das grandes divulgadoras do trabalho de Darwin no Brasil. Além de participar do episódio, ela também já escreveu para a Quatro Cinco Um como resenhista. Leia aqui duas colaborações dela para a revista dos livros, uma sobre A origem das espécies e outra sobre o naturalista Agassiz e os peixes brasileiros.

George Eliot

A autora britânica Mary Ann Evans (que às vezes aparece grafada como Marian ou Mary Anne) escolheu um pseudônimo masculino para evitar que seus escritos ficcionais fossem associados à sua pessoa. Antes de estrear na ficção, ela já era uma conhecida tradutora, crítica e ensaísta, considerada a mulher mais inteligente de seu país. Ouvimos bastante sobre ela a partir dos 34 minutos do episódio. George Eliot e Darwin eram leitores um do outro e até se corresponderam. Eliot foi escolhida para trazer o lado literário para junto das ciências neste episódio e, como ouvimos, seus procedimentos literários e sua linguagem frequentemente tomavam emprestados aspectos das ciências. Leia uma resenha de Sofia Nestrovski sobre o romance Silas Marner: o tecelão de Raveloe na Quatro Cinco Um.
 

Julia Wedgwood

Frances Julia Wedgwood, conhecida na família pelo apelido Snow, era sobrinha de Darwin pelo lado de sua esposa, Emma. Julia foi uma importante crítica literária e ensaísta e, como ouvimos no final do episódio, uma das principais intelectuais de sua época. Ela foi uma das primeiras pessoas a resenhar A origem das espécies e escreveu que o princípio da seleção natural poderia responder como as formas de vida “se aperfeiçoaram”, mas ainda não jogava luz sobre a questão mais importante, que é: de onde elas se originaram? Darwin escreveu a ela revelando-se admirado com sua leitura e dizendo que seu entendimento sobre o livro era um “evento raro” entre seus críticos. A sua obra principal, escrita ao longo de duas décadas, foi uma investigação histórica sobre os princípios morais humanos desde a Antiguidade, passando por todas as grandes religiões. O livro, intitulado The Moral Ideal: a historic study, pode ser consultado online aqui (em inglês). 

Vladimir e Sophia Kovalevsky

Aos 5 minutos do episódio, ouvimos sobre o tradutor de Darwin para o russo, Vladimir Kovalevsky. Tanto ele quanto sua esposa Sophia eram entusiastas da obra de Darwin: a teoria da seleção natural teve aceitação mais rápida na Rússia do que na Inglaterra. Vladimir era paleontólogo e dedicava-se a estudos bastante pioneiros de paleontologia evolucionista, seguindo rigidamente os princípios darwinistas, outro motivo pelo qual Charles Darwin o tinha em alta estima. Já Sophia Kovalevskya foi uma matemática de grande renome, considerada, ainda em vida, uma das principais cientistas russas daquele século — mas que quase não teve aceitação nos meios científicos profissionais por causa de seu gênero. Em suas investigações sobre a paleontologia evolutiva, Vladimir cometeu alguns erros ao identificar a linha evolutiva dos cavalos, mas seu método de estudo e análise de fósseis era sofisticado e passível de ser corrigido. Darwin também cometeu um erro parecido quando tentou revelar a história do fóssil da macrauquênia, animal extinto nativo da América do Sul. Assim como Vladimir Kovalevsky, Darwin supôs uma linha direta de evolução onde de fato havia uma evolução convergente (quando duas linhas de espécies desenvolvem características similares em locais diferentes). “Grandes verdades podem emergir de pequenos erros”, diz Stephen Jay Gould em artigo recontando a história.

Lugares
 

Museu de Zoologia da USP

O museu, que fica no Ipiranga, em São Paulo, tem mais de 10 milhões de exemplares preservados e um dos maiores acervos zoológicos da América Latina. Um paraíso para os interessados na biodiversidade ou para quem quer saber mais sobre biologia evolutiva, paleontologia e ecologia. Recomendamos muito a visita ao site oficial do museu e também a exposição virtual em cartaz, chamada “Biodiversidade: conhecer para preservar”. Para quem tem filhos pequenos, o Museu de Zoologia também disponibiliza livros para colorir e livros com máscaras de animais gratuitamente para download.
 


O Museu de Zoologia da USP [MZUSP]

Ideias & invenções

Espécies e indivíduos

Em uma homenagem ao avô Erasmus, Darwin também escreveu um caderno chamado “Zoonomia”: o termo diz respeito a uma investigação dos princípios que regem os seres vivos, as leis da vida orgânica. Darwin se diferencia de Erasmus, no entanto, ao perceber que a natureza seria regida pelo acaso e pelo que ocorre no ambiente. Não há, na transformação das formas de vida, um caminho claro, seja ele rumo a indivíduos mais complexos ou, por exemplo, em direção à racionalidade. Darwin pôde observar isso porque, no século 19, com o acúmulo de espécimes preservados em museus e coleções de todo o planeta, finalmente houve a possibilidade de criar um panorama melhor da diversidade da natureza sobre a Terra. Concluir que as espécies não eram fixas levou Darwin a deduzir também que os indivíduos de cada espécie apresentam uma imensa variabilidade. 
 


A árvore (ou o coral) da vida

A árvore da vida foi a analogia encontrada por Darwin para criar uma imagem para a teoria que vinha desenvolvendo. As linhas de seres vivos com suas diversas variações (algumas das quais acabavam, se extinguiam, e outras que continuavam se ramificando) deu fim à ideia de uma natureza como uma cadeia em linha reta, com algum destino definido. Darwin também brincou com a ideia de que a imagem mais adequada seria um “coral”, uma vez que suas bases, representando espécies já extintas, já não são mais vivas.

Eventos
 

Os diários de Darwin ao alcance de todos

Como a entrevistada Maria Isabel Landim conta aos 7’40’’ do episódio, Darwin é um grande objeto de estudo para a história das ciências porque ele deixou muitos e muitos registros (além de uma vasta obra publicada). Até hoje, pesquisadores se debruçam sobre esses textos para entender melhor a elaboração da teoria da seleção natural e entender como funcionava a mente do grande cientista. A correspondência do Darwin, por exemplo, pode ser acessada e pesquisada no Darwin Correspondence Project. Já muitos de seus manuscritos e diários podem ser acessados no site da biblioteca do Museu de História Natural dos EUA.


Casa desenhada pelo filho de Darwin, Francis, no verso de manuscritos do pai. Se não fossem pelos desenhos das crianças, muitas páginas de anotações, hoje preciosos documentos científicos, teriam sido descartadas [AMNH]

Referências do episódio

  • Gillian Beer, Darwin's Plots: evolutionary narrative in Darwin, George Eliot, and nineteenth-century fiction. Cambridge University Press.
  • Maria Isabel Landim, Charles Darwin: em um futuro não tão distante. Instituto Sangari.
  • Stephen Jay Gould, “Mr. Sophia’s Pony” in Leonardo’s Mountain of Clams and The Diet of Worms. Harvard University Press.

Vinte Mil Léguas recomenda

  • George Eliot, Silas Marner: o tecelão de Raveloe. José Olympio/Grupo Record.