Quatro Cinco Um,

Literatura japonesa em claro-escuro

Na Japan House, Quatro Cinco Um promoveu debate sobre luz e sombra na arte e literatura japonesas

20dez2018

Luz, sombra, erotismo e ambiguidades literárias estiveram no foco de debate promovido pela Quatro Cinco Um na Japan House, em São Paulo.

As representações da luz e da sombra na arte e na literatura foram o tema do primeiro debate realizado em parceria entre a Japan House, centro cultural sediado na avenida Paulista, e a revista Quatro Cinco Um, na sexta-feira, 14/12. 

Com duas exposições que tematizam a luz e a escuridão em cartaz até 6/1 — A Light Unlight, da marca japonesa Anrealage, que expõe roupas tecnológicas que reagem à luminosidade, e Dimensão, do duo Nonotak, conjunto de três instalações imersivas e sensoriais —, a Japan House convidou a revista dos livros a fazer a curadoria de um debate literário que dialogasse com as duas mostras. 

O ponto de partida escolhido foi o ensaio Em louvor da sombra (1933), de Junichiro Tanizaki (1886-1965), que ganhou uma nova edição brasileira com prefácio de um dos convidados do debate, o crítico Pedro Erber, professor da Universidade Cornell. A seu lado, estava Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro, professora de letras e artes plásticas na USP e vencedora do Prêmio de Ensaio da Biblioteca Nacional de 2018 com A erótica japonesa na pintura e na escritura dos séculos 17 a 19.

O ensaio de Tanizaki foi escrito no período do entre-guerras, quando a sociedade japonesa começava a sofrer um intenso processo de transformação. Em poucas páginas, o escritor faz um elogio da presença de tons escuros na arquitetura, no teatro, nos utensílios de cozinha e no vestuário, contrapondo a sombra ao culto ocidental da luz – que, impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico, começava a dominar os espaços públicos e privados no Japão. 

Entre a literatura moderna de Tanizaki e as manifestações artísticas tradicionais, o debate girou em torno das representações da luz e da sombra ao longo da história da arte japonesa. A mediação foi de Paulo Werneck, editor da Quatro Cinco Um.

Ambiguidade

Tanto Erber quanto Cordaro consentiram num ponto central para o entendimento da obra do autor: ficcionista hábil, Tanizaki tinha como traço distintivo a ambiguidade — mesmo em textos de não ficção como Em louvor da sombra

Para Erber, autor do prefácio à última edição brasileira do livro – lançada em 2017 pelo selo Penguin Companhia –, o tom "rasgado e quase ingênuo" do texto proporciona interpretação diferente do que uma primeira leitura sugere. "O louvor à cultura tradicional retratada como oriental, em oposição dicotômica à luz do Ocidente, pode ser uma problematização dos pontos mais obscuros da sociedade japonesa", afirmou.

Cordaro, que ressaltou a ironia como chave para compreender Tanizaki, concordou. "Artistas plásticos e alunos de literatura japonesa se encantam com o livro, como se aquele Japão antigo, das penúrias e de mulheres de dentes enegrecidos, fosse o ideal", disse a professora. "Talvez porque os espaços sejam poéticos, e as sombras, ao esconder os detalhes, tornem as coisas mais belas". 

Uma passagem famosa, em que o autor enaltece as virtudes das latrinas tradicionais de seu país — rústicas instalações ao ar livre, como as antigas "casinhas" do interior do Brasil —, chegou a causar celeuma entre críticos: seria aquilo uma zombaria do tradicionalismo ou, pelo contrário, uma ousada tentativa de estetizar o menos sublime dos aposentos da casa? 

Muito popular no Japão, o escritor publicou Em louvor da sombra no jornal, onde também saíam seus romances, como Amor insensato e Há quem prefira urtigas. Se, em sua primeira fase, sua obra revelava a influência de autores modernos como Edgar Allan Poe e Baudelaire, a partir da década de 1920 ela parece abandonar a inclinação ocidentalizante. 

Parece: tratando-se de Tanizaki, a verdade e a mentira sempre entram em jogo. É o caso de Amor insensato (1924), romance em que um homem de meia-idade, se apaixona por uma adolescente de feições ocidentais. "Não sabemos se ele compartilha esse encantamento do protagonista com o Ocidente ou se está ridicularizando aquele desejo", afirmou Erber. O crítico lembrou que as ambiguidades de Tanizaki atraíram o interesse do romancista Bernardo Carvalho em O sol se põe em São Paulo.

Erotismo

O erotismo é outra marca da literatura do autor. Cordaro, que em seu estudo compilou e interpretou representações artísticas de práticas sexuais no período Edo (entre 1600 e 1868), vê um Tanizaki questionador da monogamia imposta pelo Ocidente a partir de 1880. "Em seus livros, as relações amorosas são muito fluidas. Ele refina as relações amorosas, faz um jogo elegante entre seus personagens, sempre envolvidos em triângulos ou até quadriláteros amorosos." 

Assim como no Ukiyo-e, "imagens do mundo flutuante", como são conhecidas as gravuras japonesas do período, Tanizaki busca a leveza e o riso. "No Ocidente", complementa, "colocamos o drama acima da comédia, a poesia acima da prosa. No Japão, esse não é o caso." 

Essas ambiguidades, diz a professora, não são apenas de ordem cultural: têm a ver também com a forma como cada leitor compreende o escritor. "Lemos seus livros e os levamos muito a sério, justamente porque não percebemos que isso é um jogo do escritor", diz Cordaro. "Ele mostra e esconde, usa um ponto de vista flutuante entre os personagens". 

Estudioso da literatura japonesa, Erber contou uma anedota sobre o escritor, difundida por seu tradutor americano. Segundo consta, Tanizaki teria contratado um arquiteto para construir uma casa nova e, na hora de passar as instruções, foi interrompido. "Não precisa nem falar", disse o profissional. "Li Em louvor da sombra. Sei exatamente o que o senhor quer". 

Foi desautorizado na hora. "Eu jamais conseguiria morar numa casa assim", disse ele, para desconcerto do arquiteto.