Flip, Literatura em língua francesa,

‘Não havia orgasmo mais intenso que a escrita de um livro’

Leia trecho inédito de ‘O jovem’, da Nobel de Literatura de 2022, sobre relação com homem 30 anos mais novo

06out2022

Há cinco anos, passei uma noite inapropriada com um jovem estudante que vinha me escrevendo havia um ano e que queria me encontrar.

Muitas vezes fiz amor para me obrigar a escrever. Queria encontrar, na sensação de cansaço e desamparo de depois, motivos para não esperar mais nada da vida. Nutria a esperança de que, ao fim da espera mais violenta de todas, a de um orgasmo, eu pudesse ter certeza de que não havia orgasmo mais intenso que a escrita de um livro. Talvez tenha sido o desejo de desencadear o processo de escrita de um livro — o que eu hesitava em fazer por conta de sua dimensão — que me levou a convidar A. para tomar uma taça de vinho na minha casa, depois de termos jantado num restaurante onde ele permanecera, por timidez, praticamente o tempo todo mudo. Ele tinha quase trinta anos a menos que eu.

Passamos a nos encontrar nos finais de semana e, nos intervalos, sentíamos cada vez mais falta um do outro. Todos os dias ele me telefonava de uma cabine telefônica para não despertar suspeitas na sua companheira. Tomados pelos hábitos de uma coabitação precoce e pelo nervosismo com as provas da faculdade, ela e ele nunca tinham imaginado que fazer amor pudesse ser algo além da satisfação espaçada de um desejo. Que pudesse ser um tipo de criação contínua. O ardor que vi em A. com essa descoberta fortalecia ainda mais nossa relação. Aos poucos, a aventura tinha se transformado numa história que queríamos levar até o fim, sem saber muito bem o que isso significava. (Tradução de Marília Garcia)

Nota do editor
Trecho publicado mediante autorização da editora Fósforo, que lança O jovem em novembro, em tradução de Marília Garcia, por ocasião da presença de Annie Ernaux na Flip.

Quem escreveu esse texto

Annie Ernaux