Listão da Semana,

Biografias de Lina Bo Bardi e mais 7 lançamentos

Livros da semana incluem diários de Kafka e o novo romance de Joca Terron

07maio2021 | Edição #45

Duas biografias de Lina Bo Bardi (1914-92), ítalo-brasileira que se tornou referência mundial na arquitetura, e uma de Sueli Carneiro, uma das principais vozes do feminismo negro no Brasil, são lançadas nesta semana. Chegam também, direto da fonte, os diários de Kafka, publicados na íntegra pela primeira vez em português. São, cada livro a seu modo, oportunidades para vislumbrar o humano por trás do pensador genial.

Completam a seleção da semana o novo romance de Joca Terron, um ensaio sobre o mito do fogo, uma ode aos ingredientes brasileiros e um infantil para (como faz qualquer bom infantil) por a filosofar os adultos. (Acima, ilustração de Alexandre Rampazzo para Gaspar e o Rio.)

Viva o livro brasileiro!

Lina Bo Bardi: o que eu queria era ter história. Zeuler R. Lima.
Companhia das Letras • 456 pp • R$ 89,90

Lina: uma biografia. Francesco Perrotta-Bosch.
Todavia • 576 pp • R$ 89,90/34,90

Não faltam histórias para contar sobre a arquiteta nascida na Itália que veio ao Brasil no final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), naturalizou-se brasileira e projetou alguns marcos da arquitetura nacional. Os autores dos dois livros são arquitetos, curadores e ensaístas. “O arquiteto não precisa desenhar. Ele pode escrever” é a frase de Lina usada como epígrafe no livro de Perrotta-Bosch, que não segue uma cronologia linear: intercalando tempos e lugares, o autor, crítico de arquitetura e urbanismo da Folha de S.Paulo, desenha a história da arquiteta a partir de seus projetos, viagens, encontros com figuras fundamentais da cultura nacional e embates com políticos ou com seus pares no mundo da arte. Já Zeuler R. Lima, que há vinte anos pesquisa a vida e a obra da arquiteta e ganhou o prêmio Bruno Zevi de história e crítica da arquitetura (2007), adotou uma narrativa cronológica, contando com riqueza de detalhes inclusive os primeiros anos de vida, o tempo de estudo e trabalho ainda na Itália e os bastidores da criação do Museu de Arte de São Paulo (Masp). 

Mulher que chocava por usar calças em eventos de uma elite provinciana e por se misturar com peões de obra, Lina projetou ícones arquitetônicos como o Masp, o complexo cultural Sesc Pompeia e a Casa de Vidro, todos na capital paulista, e o Solar do Unhão, que abriga o Museu de Arte Moderna (MAM) em Salvador. Neste ano, seu trabalho será reconhecido pela Bienal de Arquitetura de Veneza, com o Leão de Ouro Especial. O evento acontece entre 22 de maio e 21 de novembro de 2021.

Leia também: Incorporados ao acervo do MoMA, móveis da Baraúna revelam os êxitos e os percalços do design brasileiro.

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Continuo preta: a vida de Sueli Carneiro. Bianca Santana.
Companhia das Letras • 296 pp • R$ 59,90

A jornalista Bianca Santana dedica o livro “às jovens negras dispostas a pegar o bastão oferecido por Sueli Carneiro”, fazendo referência a um artigo escrito há vinte anos em que a pioneira do feminismo negro clama para que elas,  “como guerreiras da luz, travem o bom combate pelas causas mais justas da humanidade”. O livro sobre a filósofa, ativista, escritora e fundadora do Geledés — Instituto da Mulher Negra é baseado em 160 horas de entrevistas com a biografada, gravadas entre 2018 e 2019. Santana também ouviu pessoas e pesquisou documentos em oito cidades sobre a trajetória política, intelectual e pessoal da mulher que, entre a produção acadêmica e a luta social, também “comeu um pouquinho, bebeu um pouquinho, namorou um pouquinho”. O título vem de uma frase de Sueli, ao ser questionada sobre seu posicionamento político: “Entre a esquerda e a direita, continuo preta”.

Trecho do livro: “Para Sueli Carneiro, todo o sofrimento da opressão de quinhentos anos de negras e negros no Brasil poderia oferecer elementos poderosos para um novo tempo, quando valorizar a diversidade seria, então, pré-requisito para a reconciliação de todos os seres humanos e missão civilizatória das gerações futuras. Do sofrimento provocado pela escravização e pelo racismo deveriam vir, em vez de uma revanche que nos corromperia, as condições necessárias para a revelação do humano que reconhece e repara a opressão, e a ela renuncia.”

Leia tambémComo as desigualdades raciais e de gênero foram intensificadas durante a pandemia de Covid-19.

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Diários: 1909-1923. Franz Kafka.
Todavia • 576 pp. • R$ 99,90/29,90

“Não vou abandonar meu diário. É a ele que preciso me agarrar, porque é só onde posso fazê-lo”, escreveu Kafka em 16 de dezembro de 1910, em um dos doze cadernos sem pauta nos quais, durante anos, anotou pensamentos, fatos e reflexões literárias (“Grande aversão à Metamorfose. Final ilegível. Imperfeito quase até a medula. Teria ficado muito melhor se, na época, a viagem de trabalho não houvesse me perturbado”). Lá está também a célebre entrada de 2 de agosto de 1914, a única do dia: “A Alemanha declarou guerra à Rússia. — À tarde, natação”. 

Pela primeira vez, o texto integral dos diários é publicado em português. A tradução, de Sergio Tellaroli, foi feita a partir de uma edição crítica publicada na Alemanha em 2014, na qual estão incluídos trechos omitidos (inclusive passagens de natureza sexual) nas primeiras publicações dos diários organizadas por Max Brod, amigo e testamenteiro literário de Kafka.

Trecho do livro: “Minha felicidade, minhas capacidades e toda possibilidade de eu vir a ser útil de alguma forma situam-se desde sempre no terreno da literatura. Nele, aliás, vivi situações (não muitas) que, na minha opinião, muito se aproximam daquelas que o senhor, doutor, descreveu como clarividentes, situações nas quais habitei cada uma de minhas ideias, mas as realizei também, e nas quais me senti não apenas no meu limite, mas no limite do humano em si. Faltou-me apenas aí, ainda que não de todo, o entusiasmo sereno que provavelmente é próprio do clarividente.” (29 de março de 1911)

Leia tambémO alemão Kurt Wolff conta em suas memórias como descobriu o autor da Metamorfose e revolucionou a edição de livros no século 20.

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A origem da espécie. Alberto Mussa.
Record • 352 pp • R$ 54,90

Nesse ensaio literário, que considera sua obra mais radicalmente pessoal, Alberto Mussa se debruça sobre narrativas do mito do fogo, que, para ele, estabelece o próprio conceito de humanidade. “Este livro não é nenhum tratado científico; não se prende a categorias teóricas rigorosas, como as que embasam o pensamento de filósofos, etnólogos, arqueólogos, paleontólogos, geneticistas, linguistas, matemáticos”, escreve no preâmbulo, no qual também conta ter sido desaconselhado por amigos a tratar de um tema que “não calha bem a romancistas”. Para o autor de O enigma de Qaf (prêmio Casa de Las Americas) e O movimento pendular (prêmio Machado de Assis), a mitologia é “o gênero por excelência, o mais essencialmente literário, o mais perfeito”. “Mitos, na verdade, são mais velhos que línguas; são mais antigos que populações. Já passa da hora de dar voz a eles.”

Ouça também: No episódio “Murakami e Carnaval” do podcast 451 MHz, o escritor e erudito do samba Alberto Mussa fala sobre as contradições do Carnaval carioca.

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Ingredientes para uma confeitaria brasileira. Joyce Galvão.
Companhia de Mesa/Companhia das Letras • 160 pp • R$ 44,90

A confeiteira e autora de A química dos bolos propõe o uso de ingredientes nativos para identificar uma confeitaria essencialmente brasileira. Para isso, explica origens, usos e formas de preparo de frutas, farinhas, cereais, adoçantes naturais, especiarias e frutos secos. Entre eles estão a pitangatuba (fruta endêmica da Mata Atlântica), o cumaru (planta leguminosa amazônica) e a fuba (no feminino e sem acento, feita com milho torrado e semiestourado como piruá de pipoca). Para a autora, uma receita explicada minuciosamente não é garantia de sucesso se os ingredientes utilizados não forem os corretos (e os melhores), e a escolha do que consumimos garante a preservação da nossa cultura, das nossas tradições e das nossas memórias. “Consumir é um ato político. Sem demanda, muitos ingredientes simplesmente deixarão de existir.”

Trecho do livro: “O puxuri é uma semente amazônica que lembra a noz-moscada, mas com um quê mais mentolado, algo defumado… Fica delicioso no molho branco, acompanhado da tradicional noz-moscada mesmo, mas na confeitaria vai bem em quase tudo! Gosto de usar junto com preparações que levam rapadura — para mim, o puxuri e a rapadura nasceram um para o outro! No chocolate amargo, com maior teor de cacau, fica incrível também. O uso é simples — ralado ou em infusão —, e pode invadir a mistura de especiarias do pão de mel, dar um toque perfumado no arroz‑doce e, especialmente, no caramelo!”

Leia tambémLivros que desbravam a gastronomia brasileira trazem ingredientes de onze estados.

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Transfeminismo. Letícia Nascimento. 
Jandaíra • 191 pp • R$ 24,90

“Falo a partir de minha experiência como mulher travesti, negra, gorda, subalternizada pelo racismo, pelo cissexismo e pela gordofobia. Escrevo a partir da minha própria carne, fabricada em meio a gritos diversos de dores, alegrias, esperanças, saudades, sonhos e esquecimentos. Escrevo me reconhecendo como transfeminista, reivindicando espaço no feminismo, fazendo clivagens teóricas e políticas no arcabouço feminista para pensar nossos corpos em aliança.” Quem fala desse lugar é Letícia Nascimento, que assina o décimo lançamento da coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro. A autora questiona “discursos que, em um direcionamento cissexista, também impedem mulheres transexuais e travestis no feminismo”, inclusive dentro do próprio movimento. Para isso, ela esboça ideias sobre a criação do conceito de gênero e os diferentes modos de “mulheridades e feminilidades” possíveis, não para dividir o feminismo, mas torná-lo mais plural. No ensaio, a história e as teorias do transfeminismo como corrente teórica e política vinculada ao feminismo são apresentadas de forma acessível — uma das características da coleção, cuja proposta é dar visibilidade a conteúdo produzido por grupos historicamente marginalizados. 

Leia também: Em ensaio fotográfico, Ana Carolina Fernandes constrói uma ponte entre dois mundos, o travesti e o cis.

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O riso dos ratos. Joca Reiners Terron. 
Todavia • 208 pp • R$ 62,90/ 39,90

Ao receber o diagnóstico de uma doença fatal, um homem senta-se em um boteco e, enquanto bebe, vê a chuva engrossar. Na enxurrada, observa o rodopio de um chinelo e, sobre ele, um rato encharcado, porém vivo. Esse homem havia prometido à filha acabar com a vida do responsável por drogá-la e estuprá-la caso tivesse uma doença diagnosticada. Assim começa a descida ao inferno do protagonista do novo romance do autor de Do fundo do poço se vê a lua (prêmio Machado de Assis).

Leia também: o texto de Joca Terron sobre uma novela experimental de 1976 que narra o impacto da gripe espanhola em Curitiba e a resenha de seu livro Noite dentro da noite, assinada por Priscilla Campos.

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Gaspar e o rio. Flávia Azevedo.
Ils. Alexandre Rampazzo • Aletria • 44 pp. • R$ 65

Gaspar, o menino pensador, mora perto de um rio e quer conhecer o outro lado, por isso parte em um barco com seu gato. Depois de experimentar novas sensações e vivências, o viajante volta então ao primeiro rio que, como o homem viajado, já não é mais o mesmo. A jornada e as descobertas filosóficas de Gaspar são contadas no livro de Flávia Azevedo, autora de A pequena Gilda no museu. As ilustrações são do premiado Alexandre Rampazzo, que ganhou o Jabuti (2017) e o Leão de Bronze do Cannes Lions (2016) por O menino e o foguete, o FNLIJ (2019) por Pinóquio: o livro das pequenas verdades e o Cátedra Unesco de Leitura (2020) por Um belo lugar

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Matéria publicada na edição impressa #45 em abril de 2021.