Coluna

Paulo Roberto Pires

Crítica cultural

A noivinha do Brasil fascista

Regina Duarte é reacionária e cafona, o que parece perfeito para este momento do bolsonarismo

31jan2020

Enquanto os camelôs da moderação apregoam seu produto malhado  – “não é fascismo!”, gritam, numa derradeira tentativa de limpar a barra de sua leniência com o capitão – Regina Duarte, a mocinha que encantou a ditadura, amadurece consagrada como a noivinha do Brasil fascista. 

Regina é reacionária e cafona, o que parece perfeito para este momento do bolsonarismo. A fidelidade à matriz ideológica garante, obviamente, a manutenção da pauta obscurantista. O inquebrantável apelo piegas ajuda a acalmar os ânimos quando a extrema-direita ultrapassa alguns dos poucos limites ainda existentes. Regina Duarte é a perfeita encarnação da ideia de cultura que se abateu sobre nós.

O processo que culminou em sua nomeação foi conduzido por ela, com espantoso apoio de parte significativa da imprensa, como uma peripécia de melodrama. Fazendo a moçoila desmiolada, papel que tanto interpretou, coadjuvou um “noivado”, simulou dúvidas e impasses até o “sim” final. Ao longo do processo, apareceu dando risinhos nervosos e suspiros ansiosos abraçada, arrulhante, ao noivo – quer dizer, ao chefe. 

Na semana passada, jornalistas profissionais, que recebem salário para desempenhar suas funções, comentavam o convite de Regina para a secretaria como se acompanhassem uma novela. Em considerações feitas ao vivo, torciam constrangedoramente pela “grande atriz”, “politizada”, aquela que “não é radical” e irá pacificar a vida cultural do Brasil “polarizado” (risos). 

A única forma de entender este súbito lustro em seu currículo é, parece evidente, a comparação com o Goebbels Tabajara (©Sergio Augusto). O raciocínio é que Regina representaria um ganho em relação a um sujeito que, com o apoio evidente do presidente, asperge gotas de nazismo sobre a cultura brasileira.

A tese de que Regina representa um ganho é, portanto, um abraço de afogado no senso comum e só se sustenta na base da má fé, do fanatismo ou de ambos.

Tanto o nazista de anedota quanto a noivinha do Brasil fascista são nefastos. Ao som de Wagner ou de Fagner, ambos defendem a mesma política de Estado para a cultura, baseada em ideologização tosca e, é claro, em expurgos numa guerra cultural imaginária. Mudam os atores, o cenário e o figurino, mas o roteiro é o mesmo.  

É ainda perverso imaginar que Regina Duarte seria a possibilidade de diálogo com o governo. Diálogo só acontece quando há condições mínimas para tal, quando se diverge com respeito. No mandato que aí está, simula-se conversa para adiar o ato arbitrário, a virada de mesa. Não se pode, portanto, dar trégua a seus movimentos.

Regina Duarte, como se sabe, confiava de olhos fechados em Fernando Henrique e tinha medo do petê. Hoje se derrete em elogios para um defensor do armamentismo, da perseguição a jornalistas e a inimigos políticos. Quando o noivo, ou melhor, o chefe, sobe o tom, ela diz que “é da boca para fora”. As tias do zap piram.

O Brasil inicia, agora, mais uma fase gloriosa rumo ao obscurantismo. Como timoneira da cultura temos essa “grande artista”, “pessoa séria” e “moderada”. Regina Duarte é a pessoa certa no lugar certo.

Quem escreveu esse texto

Paulo Roberto Pires

É editor da revista Serrote. Organizou a obra de Torquato Neto nos dois volumes da Torquatália (Rocco, 2004).