Mercado editorial,

Leia artigo da Liga Brasileira de Editores sobre a proteção ao livro

Fixar uma lei do "preço comum" é urgente, afirmam diretores da Libre

20ago2021

Encerra-se hoje o 1º Seminário de Proteção ao Livro e à Leitura, que a Liga Brasileira de Editores — Libre promoveu em seus canais no YouTube e no Facebook, com foco na Lei do Preço Comum, nome que a entidade passou a dar ao projeto de lei originalmente discutido como “Lei do Preço Fixo”.

O evento começou na segunda-feira, às 15h30, com a participação de Markus Gerlach, autor de Proteger o livro — Desafios culturais, econômicos e políticos do preço fixo, publicado pela Libre em 2006, Alexandre Martins Fontes (editor e livreiro) e Marisa Midori, professora do curso de editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP. O tema da mesa de abertura foi “Leis de proteção ao livro no mundo”.

A segunda mesa discutiu as “Leis de proteção ao livro no Brasil”. Participaram do debate o senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator do Projeto de Lei do Senado 49/2015, o ex-secretário nacional do Livro e Leitura José Castilho Marques Neto e a bibliotecária Júlia Santos, integrante do Conselho do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas da cidade de São Paulo.

A Libre – Liga Brasileira de Editoras, desde 2010, defende em seus programas e em suas manifestações públicas a adoção de uma legislação especial para a proteção do livro e da leitura no país. 

A proposta era minoritária, inclusive no setor, mas hoje conta com o apoio da maior parte das editoras, livrarias e distribuidoras de livros em atividade no país. Assim, para eliminar dúvidas sobre o tema, elaboramos uma série de perguntas e respostas que procuram explicar a urgência e a necessidade.

Por que retomar a discussão da discussão do preço do livro?
A Libre – Liga Brasileira de Editoras, entidade que representa mais de cem editoras independentes de todo o país, entende que o mercado editorial no Brasil, sobretudo as livrarias, vivem um momento crítico e que é preciso adotar medidas ativas, por parte do Estado, para manter esse mercado vivo e em expansão.

A crise do mercado editorial não é resultado da pandemia?
A crise das grandes redes de distribuição e livrarias do país é anterior à pandemia do Coronavírus. É claro que a necessidade do isolamento social e a crise econômica associada à pandemia dificultou enormemente a vida de inúmeras empresas, mas o setor já estava em sérias dificuldades devido à concentração das vendas em poucas redes de livrarias e na Amazon. Assim, a retomada da discussão da Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum é mais do que importante, urgente, para que o mercado possa se manter minimamente enquanto houver a circulação do novo coronavírus e para que possa se reestruturar ao fim da crise sanitária.

Essa discussão tem relação com a proposta de taxação do livro, presente na reforma tributária do governo federal?
Não diretamente. A Libre se posiciona de forma clara contra a taxação do livro via CBS. Na nossa avaliação, essa medida joga contra um mercado essencial ao debate democrático, que é o do livro, e à inserção das famílias mais pobres nos universos da educação, do livro e da leitura. Mas a proposta de retomar a discussão da Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum, vai no sentido oposto ao dessa taxação. Se taxação do livro enfraquece o mercado editorial, a Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço comum quer fortalecer esse mercado, e dessa forma, ampliar a edição e a distribuição do livro em todo o território nacional, favorecendo no médio prazo a redução do preço unitário do livro e a criação de empregos e receita num mercado hoje em declínio. Uma medida fortalecedora do mercado editorial pode trazer mais arrecadação para o governo federal via folha de pagamento e outros impostos, como o imposto sobre serviços e o imposto de renda, que já incidem sobre os negócios do livro, em diferentes etapas.

O que é a Lei de Proteção ao Livro e à Leitura — Lei do Preço Comum?
A Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum é o nome pelo qual a Libre decidiu chamar a atual lei do preço fixo do livro, que está em tramitação no Senado Federal. Decidimos adotar esse nome porque o nome “lei do preço fixo” gera uma série de mal entendidos, o que faz com que muitas vezes os próprios editores e livreiros não entendam seu sentido e seus detalhes.

Como surgiu a ideia da Lei de Proteção ao Livro e à Leitura — Lei do Preço Comum?
A Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum não é uma invenção do mercado editorial brasileira. Ela foi instituída, legalmente, na França na década de 1980, com o propósito de defender as pequenas livrarias francesas do avanço do grande comércio ao setor livreiro. O setor livreiro só funciona bem quando há uma rede de pequenos negócios envolvidos nele. Quanto mais livrarias perto da casa das pessoas, maior e melhor é o consumo de livros. Mas as grandes cadeias de livrarias acabam, na prática, esmagando os pequenos negócios quando os preços não são regulados.

Só a França adota uma Lei de Proteção ao Livro e à Leitura — Lei do Preço Comum?
Não! Os seguintes países já adotam leis semelhantes à lei francesa: Alemanha (que já praticava algo semelhante desde o século 19 e que passou a regulá-la a 2002 para o livro em papel e de 2016 para o livro digital), Argentina (lei de 2001), Áustria (2000), Coreia do Sul (2002), Dinamarca (2001), Espanha (1975), Grécia (1981 para o livro físico, 2011 para o digital), Itália (2005), Japão (2008), México (2008), Holanda (2005) e Portugal (1996).

A União Europeia, que defende o livre mercado, não entendeu essa lei como algo contrário ao interesse do consumidor?
Pelo contrário. Apesar de abrir diversos mercados à competição sem regulação, a União Europeia entendeu que o livro era uma mercadoria especial, em que o melhor, para a preservação cultural e da cadeia, os países-membros da UE poderiam regular esse mercado de forma especial, dentro do âmbito da chamada “exceção cultural”. Os mercados culturais precisam ter uma regulação especial, defendem todos os países da União Europeia, porque a circulação deles é diferente da dos demais produtos e o que funciona para o comércio de carros ou de molho de tomate pode ter um efeito oposto quando o assunto é cultura, ou seja, a não-regulação desse mercado pode levar a preços mais caros e menos diversidade de livros circulando, com prejuízos insanáveis para a educação, a cultura e a literatura.

Como funciona a Lei de Proteção ao Livro e à Leitura — Lei do Preço Comum?
A ideia central da Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum é evitar que grandes cadeias de livrarias e gigantes digitais como a Amazon destruam as pequenas livrarias. Quer, ao contrário, criar uma tendência oposta, para tornar viável a existência de pequenas livrarias pelo país. E isso é feito através da regulação do preço final e do preço no interior da cadeia do livro. Vamos tomar como exemplo a proposta que tramita no Senado. Segundo ela, após o lançamento do livro, por um período de 1 ano após seu lançamento, o desconto máximo para o consumidor para um livro é de 10%. O preço final é definido pelo editor, e assim o consumidor sabe que, nesse período, ele não vai encontrar um livro que custe R$ 30 sendo vendido em nenhum lugar – seja na Amazon, seja na livraria perto da casa dele – por menos de R$ 27. Isso fortalece o comércio local. Passado o período do lançamento, o livro pode ser vendido com descontos maiores, mas num primeiro momento, as grandes redes  não podem vendê-lo por um preço que arrase as pequenas livrarias.

Isso não prejudica o consumidor?
Não. Pelo contrário. Vamos por partes nessa resposta, porque ela é muito importante. Primeiro, porque a maioria dos livros vendidos no mercado está fora dessa regulação. O mercado do livro é o que passou a ser chamado de “mercado de cauda longa”, ou seja, a maioria dos livros vendidos não foram lançados no último ano. Então o impacto inicial da lei sobre a maior parte dos livros é, inicialmente nulo (mas vamos com calma, porque o jogo vai virar!). Segundo, porque muitas vezes, considerando os descontos que terão de dar para as grandes redes, os editores são forçados a sugerirem preços mais altos para os livros em seu lançamento. É uma medida de sobrevivência necessária para evitar que os editores tenham de vender um produto recém-lançado com prejuízo. Ou seja, para atender às pressões das grandes redes,os livros ficam mais caros do que deveriam em seu lançamento! A atual conjuntura, portanto, favorece o aumento do preço do livro. É o chamado efeito reverso da “livre concorrência”, que ocorre quando parte do mercado tem força muito superior às outras. E terceiro, por fim, ao retirar a possibilidade de descontos brutais no lançamento de alguns livros, os best-sellers, as editoras e as livrarias gastam menos com marketing, um componente do preço final do livro que também favorece o aumento do preço dos livros. E, como dissemos antes, o livro é uma mercadoria de cauda longa, um preço mais alto em seu lançamento tem impacto por anos. Se a gente excluir essa pressão no lançamento, a tendência do preço médio do livro é, portanto, cair.

Mas porque fortalecer a livraria pequena se se pode comprar tudo num lugar só?
As livrarias físicas, grandes e pequenas, são também espaços culturais. Não é incomum que sejam sede de saraus, encontros e debates. Além disso, todo mundo gosta de ter uma farmácia e um mercadinho perto de casa, para emergências, mesmo podendo comprar remédios e produtos de limpeza pela internet. A Libre – Liga Brasileira de Editoras entende que ter uma livraria perto de casa é um direito, e que a Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum é um meio de favorecer que as livrarias cheguem mais perto da casa de todos os brasileiros.

Isso funcionou na França?
Sim. Funcionou. A França, diga-se, não adota apenas uma lei de proteção ao livro e leitura, mas várias. E todas no sentido de garantir que haja livrarias e bibliotecas o mais perto possível da casa de seus cidadãos. A França, aliás, tem uma preocupação grande em favorecer o que lá se chama com muita naturalidade de “pequena burguesia”, pequenos negócios para o setor da alimentação, da cultura e de outras áreas. As “Boulangeries”, as padarias francesas, são, em geral, tocadas por famílias. Hoje, não há nenhuma comuna na França (algo semelhante aos nossos municípios) que não tenha uma livraria, apesar do crescimento de grandes redes como a FNAC e da Amazon.

Pela Lei de Proteção ao Livro e à Leitura — Lei do Preço Comum, todo livro vai ter o mesmo preço?
Não. Cada título, ou seja, cada obra, tem o seu próprio preço de venda para o consumidor, definido pelo editor. Esse é o preço comum ou o preço de capa do livro – ou, como os franceses chamam, o preço fixo do livro. O limite de desconto se dá sobre esse título. Uma editora com 600 títulos em catálogo pode, portanto, ter 600 preços de capa diferentes.

Essa lei não prejudica a livre concorrência?
Não, pelo contrário. Ela favorece. E nós, pequenos e médios editores, sabemos bem por quê. O primeiro motivo é que o livro é uma mercadoria muito diferente das outras, porque cada livro é único. Mesmo que tenha o mesmo texto, o que acontece com frequência em obras de direito autoral livre, um livro fica diferente do outro porque cada editor adapta esse texto ao seu projeto editorial e seu projeto gráfico, incluindo prefácios, notas de rodapé, capa, orelha e diagramação próprios. Mesmo que você leia o mesmo texto em duas edições, você não lê o mesmo livro! Essa é a parte quase artesanal de se fazer um livro. O segundo motivo é a quantidade de obras disponíveis para o leitor. Nos melhores anos do mercado editorial brasileiro, entre novos títulos e reedições de livros, foram lançados até cerca de 60 mil títulos no país. Isso em um ano, mas, como a gente disse lá em cima, depois de um ano, a maioria desses títulos continuam em catálogo, ou seja, disponíveis para a compra no mercado. Uma lei que enfraquece o marketing e a pressão pela produção de best-sellers favorece a circulação dessa quantidade enorme de livros, o que aumenta a diversidade e a concorrência entre as editoras. Terceiro, porque a manutenção e abertura de novas livrarias amplia as opções de compra e circulação de livros. Todos esses fatores favorecem o que chamamos de BIBLIODIVERSIDADE, a ideia de que o interesse de todos os leitores e leitoras é a existência de múltiplos projetos editoriais, em concorrência no mercado, mas de modo sustentável. A existência de projetos editoriais múltiplos é um dos fatores que favorecem a diversidade cultural, política étnico-racial e de gênero no mundo dos livros.

A  Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum não prejudica os autores dos livros?
Uma lei com essa não mexe em nada, do ponto de vista legal, nos direitos dos escritores e ilustradores. Eles continuam sendo regidos pelos mesmos contratos e práticas. Mas, ao estabelecer um preço comum do livro no período do primeiro ano após o lançamento do livro, os autores vivos e os herdeiros que recebem direitos autorais, o que responde pela maior parte dos livros novos lançados, tendem a ter mais controle sobre os valores negociados entre editores, distribuidores e livrarias. Ou seja, é provável que essa lei favoreça também os escritores.

Uma lei de tal tipo não seria inconstitucional?
Não. A Constituição brasileira trata, em diversos momentos, do acesso à cultura e, portanto, entre eles, ao direito ao livro e à leitura. De certo modo, acreditamos que ela estabelece uma lógica muito semelhante à possibilidade de criação de regimes de exceção cultural. Vamos a algumas dessas menções. O artigo 23 afirma que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação. Também cabe aos três entes, segundo o artigo 24, legislar sobre educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação e sobre a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico. Já o artigoart. 205entende que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O parágrafo 3o. da do artigo 215 afirma que o Plano Nacional de Cultura deve instituir medidas que levem à “democratização do acesso aos bens de cultura”. O artigo 216, por sua vez, diz que, entre outros, “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial”, “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais”. Já o artigo 216-A diz que o Sistema Nacional de Cultura rege-se pelo princípio do “fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais”. Para nós, está claro que o desejo dos constituintes de 1988 e dos revisores desde então foi sempre o de entender a cultura como um espaço central dos direitos do cidadão brasileiro, cabendo diversas regulações, inclusive econômicas, que favoreçam a difusão e a circulação de conhecimento e bens culturais.

Mas do ponto de vista do direito econômico, o que diz a Constituição?
Também foi um princípio da Constituição de 1988 favorecer o surgimento e a viabilidade de empresas de micro, pequeno e médio porte. Há vários artigos que tratam disso, em especial os artigos 170 e 179. O artigo 170 diz que a ordem econômica do país deve observar, entre outros princípios, a redução das desigualdades regionais e sociais e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Já o artigo 179 afirma que é um princípio da atividade econômica que União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem dispensar às microempresas e às empresas de pequeno porte “tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”. A proposta da Lei de Proteção ao Livro e à Leitura – Lei do Preço Comum enquadra-se dentro desses princípios. Não à toa, os principais opositores a ela foram as grandes redes de livraria e, agora, a Amazon, que tem uma tendência de transformar o antigo oligopólio num monopólio, com o uso dos dados que os consumidores fornecem a ela gratuitamente.

Como posso saber mais sobre a Lei de Proteção ao Livro e à Leitura — Lei do Preço Comum?
Para acompanhar a tramitação da lei, visite a página do Senado PLS 49/2015 e vote SIM para ela. Nessa página também é possível ver o texto original, as sugestões de emendas.

Para saber mais sobre a Lei Lang, que instituiu o preço comum na França, veja o verbete “Prix Unique du Livre” na Wikipedia.

Quem escreveu esse texto

Haroldo Ceravolo Sereza

Tomaz Adour