Poesia,

Um jardim para Elizabeth

Um poema inédito de Ana Martins Marques

01jun2019 | Edição #23 jun.2019

Perdi:
o jardim da Casa da Samambaia
oculta na névoa
onde a chuva empoça
na barriga das bromélias

Perdi:
o convívio com a rã, o camundongo e a lesma
a vizinhança das cascatas
onde se confundem
a casa e a mata

Perdi:
o jardim murado da Casa Mariana
que tem o telhado mais bonito da cidade:
uma lagosta emborcada
com a cauda em ângulo reto, onde fica a cozinha
onde se extrai o ouro 
das geleias de laranja 
amarga

Perdi:
o jardim em níveis
assentado sobre a pedra
e a vista de mais pedra
enquanto corre a água pelas lajes

Perdi:
o amplo jardim que é todo o Rio de Janeiro
com sua beleza de fato exagerada
as curvas desenhadas do aterro
que projetam no chão as curvas dos morros
que são como cascos de navios virados
ou como o arco arredondado do sol

Perdi:
as folhas desmesuradas, de dorso acetinado
e imensas vitórias-régias
como que recém-pintadas

Ganhei:

Quem escreveu esse texto

Ana Martins Marques

É autora de O livro dos jardins (Quelônio).

Matéria publicada na edição impressa #23 jun.2019 em maio de 2019.